O DÍZIMO E AS OFERTAS COMO FONTES DE PROSPERIDADE MATERIAL
Certa vez ouvi em uma pregação, um trovador contar a história de "Zé Durão", mas é a versão na sua forma de narrativa que reproduzirei nesta lição.[1] "Zé Durão" simboliza aquele tipo de crente que ainda é muito comum em nossas igrejas: concorda com o dízimo, mas se isenta da sua prática. Vamos acompanhá-lo no decorrer do ano:
1o mês - Não contribui com os dízimos porque faltou liquidar algumas dívidas do ano anterior. 2o mês - Ao receber o pagamento, pagou todos os devedores, fez compras e não sobrou dinheiro; lamentou não ter separado o dízimo em primeiro lugar. Prometeu não agir assim no próximo mês. 3o mês - Foi impossível dar o dízimo, pois a esposa adoeceu e teve de comprar remédios. 4o mês - Separou o dízimo, mas foi obrigado a emprestá-lo a um irmão necessitado que não pagou até hoje. Sabe, família é família! 5o mês — Precisou do dinheiro para pagar uma prestação atrasada, não pôde dar o dizimo. 6o mês — Deu uma pequena oferta para a igreja, pois a situação não estava muito boa. 7o mês — Foi convidado para uma festa de aniversário, teve muitas despesas, não deu o dízimo. 8° mês — Precisou reformar casa, comprou material de construção, a situação "apertou". 9o mês — O dinheiro com que poderia dar o dízimo teve de dar ao pedreiro; ficou para o próximo mês. 10° mês - Agora, ia separar o dízimo. Neste mês, ainda não vou dar, mas no mês seguinte darei, haja o que houver. 11o mês — Foi mandado embora do emprego, infelizmente não poderia dar o dízimo, pois ficou desempregado. 12° mês — Prometeu ao Senhor que, se lhe desse um bom emprego, no próximo ano seria dizimista fiel.[2]
A história é bem divertida, mas o assunto que ela aborda é muito sério. Quando se trata de dízimos e ofertas, o que se observa são posições polarizadas: uma parte transforma o dízimo em algo extremamente meritório. A ideia, por exemplo, de enxergar o dízimo como uma troca fica evidente nas palavras de um determinado pregador, que assegura:
Deus promete ao dizimista ricas bênçãos e, dentre elas, a de repreender o devorador. Certamente Deus está se referindo a todo espírito de miséria, de pobreza e de injustiça que rouba, mata e destrói o homem. Existem demônios atuando sob a direção de Satanás no sentido de levarem os homens à miséria e à pobreza indignas [...] O negócio que Deus nos propõe é simples e muito fácil: damos a Ele, por intermédio da Sua Igreja, dez por cento do que ganhamos e, em troca, recebemos dEle bênçãos sem medida [...] Quando damos nossas ofertas para a obra de Deus, estamos nos associando a Ele em seus propósitos. E maravilhoso saber que Deus deseja ser nosso sócio e que podemos ser sócios de Deus em sua missão de salvar o mundo. Ser sócios de Deus significa que nossa vida, nossa força, nossos dons e nosso dinheiro passam a pertencer a Deus, enquanto suas dádivas como paz, alegria, felicidade e prosperidade passam a nos pertencer.[3]
Um bispo de uma famosa igreja apresenta uma visão sobre o dízimo ainda mais radical, em que a ideia de barganha parece ficar evidente:
Comece hoje, agora mesmo, a cobrar dele tudo aquilo que Ele tem prometido [...] O ditado popular de "promessa é dívida" se aplica também para Deus. Tudo aquilo que Ele promete na sua Palavra é uma dívida que tem para com você [...] Dar dízimos é candidatar-se a receber bênçãos sem medida, de acordo com o que diz a Bíblia [...] Quando pagamos o dízimo a Deus, Ele fica na obrigação (porque prometeu) de cumprir a sua Palavra, repreendendo os espíritos devoradores [...] Quem é que tem o direito de provar a Deus, de cobrar dEle aquilo que prometeu? O dizimista! [...] Conhecemos muitos homens famosos que provaram a Deus no respeito ao dízimo e se transformaram em grandes milionários, como o Sr. Colgate, o Sr. Ford e o Sr. Caterpillar.[4]
Por outro lado, outra parte não menos significativa não vê razão nenhuma para sustentar a prática do dízimo nos dias de hoje. Jerônimo Gasques (2008, p. 79-84) observou que essa última parte, formada por não dizimistas, costuma apresentar oito justificativas para se abster da prática do dízimo:
Justificativa teológica — "Não sou dizimista porque o dízimo é da lei. E eu não estou debaixo da lei, mas sim da graça".
Justificativa sentimental - "Não sou dizimista porque ainda não senti ou tive vontade, e a Bíblia diz que deve ser dado com alegria, e não com tristeza".
Justificativa financeira — "O que eu ganho não sobra ou mal dá para o meu sustento".
Justificativa assistencial — "Prefiro dar meu dízimo diretamente aos pobres. Prefiro eu mesmo administrar meu dízimo".
Justificativa política — "Eu não entrego os meus dízimos porque eles não estão sendo bem administrados".
Justificativa míope — "A igreja é rica e não precisa do meu dízimo". Justificativa contábil — "Não tenho salário fixo e não sei quanto ganho". Justificativa eclesiológica — "Não sou membro da igreja".[5]
Com extremos tão bem definidos, é necessário, portanto, analisarmos com cuidado o que a Bíblia ensina sobre a prática dos dízimos e ofertas. Essa análise visa não somente fundamentar um correto juízo de valor sobre essa prática, mas nos fazer conhecer os seus princípios, que ao longo da história do povo de Deus fez com que ele prosperasse.
O vocábulo dízimo quer dizer a décima parte, e traduz a palavra hebraica rna"aser e a grega apodekatoo.[6] No contexto bíblico, refere-se àquilo que é devolvido ao Senhor, quer seja a parte de uma determinada produção, quer seja de outra propriedade (Pv 3.9). Por outro lado, o vocábulo oferta traduz o hebraico terumah e o grego doron, com o sentido de contribuição ou oferta alçada. A lei mosaica não criou a prática do dízimo, mas apenas lhe deu conteúdo e forma. Isso foi feito por meio das diversas normas ou leis que a regulamentaram. Na verdade, a prática das ofertas já era observada nos dias de Abel (Gn 4.4); e da mesma forma o dízimo já era praticado pelos patriarcas Abraão e Jacó (Gn 14.20; 28.22). O profeta Malaquias associa a prosperidade do povo de Deus à devolução dos dízimos e das ofertas (Ml 3.10,11).[7] Esse mesmo princípio é destacado no Novo Testamento quando Paulo diz que Deus é poderoso para tornar abundante em toda graça aqueles que demonstram voluntariedade em contribuir para o Reino de Deus (2 Co 9.8).
De acordo com a Lei de Moisés, os dízimos deveriam ser entregues aos sacerdotes e levitas, legalmente constituídos para o ministério do culto (Nm 18.21-32). O código mosaico, portanto, limitava a essa tribo o sacerdócio e as benesses advindas dele. A razão dada nas Escrituras para isso é que a tribo de Levi não ganhou herança da terra com as demais tribos, e como eram ministros dedicados inteiramente ao serviço do tabernáculo, necessitavam ser mantidos pelas demais tribos. Roland de Vaux (2004, p. 417,418) destaca com precisão que
é uma regra universal que o sacerdote viva do altar: ele tem sua parte dos sacrifícios que aí são oferecidos, fora o holocausto, que é inteiramente consumido. A história dos filhos de Eli, 1 Sm 2.12-17, lembra o direito dos sacerdotes segundo o costume de Siló: em cada sacrifício, o servo do sacerdote vinha pegar uma porção na panela onde cozinhava a carne. O erro dos filhos de Eli não era que eles tomassem a sua parte, mas que eles, contrariamente ao uso, exigissem da carne crua, antes mesmo que a gordura tivesse sido oferecida sobre o altar: assim eles se serviam antes que tivesse servido a Iahvé.[8]
O local onde o dizimo poderia ser devolvido
A lei mosaica determinava um local central para a devolução das contribuições do povo de Deus. Durante a peregrinação no deserto, o santuário principal era o local escolhido para o recolhimento das contribuições do povo, e posteriormente, com a construção do Templo, Jerusalém passou a ser esse local (Dt 12.1-14; 14.22-29).
O que poderia ser objeto de dízimo
De acordo com o livro de Levítico, os dízimos eram tanto de bens agrícolas como também de animais (Lv 27.30-34). A lei previa também que os bens agrícolas poderiam ser convertidos em dinheiro, desde que fossem acrescidos 20% do seu valor. Essa medida impedia que alguém obtivesse vantagem pessoal com as coisas de Deus. Todavia, essa regra não se aplicava em relação aos rebanhos de animais (Lv 27.31,33).
Há uma leitura equivocada por parte de muitos crentes no sentido de que debaixo da Nova Aliança estamos desobrigados da prática do dízimo. Essa opinião é fundamentada na tese de que o dízimo era um dos muitos rudimentos da Lei de Moisés. Esse é um pensamento equivocado pelo fato de o dízimo ser anterior à Lei (Gn 14.20; 28.22). No período mosaico, o dízimo aparece como um preceito, mas no patriarcal a sua prática se fundamenta antes como um princípio. Neil R. Lightfoot (1981, p. 165) observa que
o significado do dízimo pago por Abraão pode ser visto quando lembramos que o dízimo levítico era baseado numa obrigação legal; os dízimos tinham que ser pagos em cumprimento da lei. Mas Abraão pagou voluntária e espontaneamente o dízimo, um tributo à grandeza pessoal de Melquisedeque.[9]
Os preceitos mudam ou desaparecem, todavia os princípios são imutáveis e permanentes. Nos patriarcas o dízimo ocorre não em função do preceito ou mandamento, mas em razão do reconhecimento do princípio da bondade e dependência divina (Gn 14.20; 28.22).
Aqueles que ainda hoje creem que o Antigo Testamento exige a prática do dízimo, mas que o Novo não contém essa exigência, devem observar que a natureza do culto e seus fundamentos no Novo Testamento não mudaram.[10] Mudou apenas a forma do culto, mas não a sua função. O culto levítico com seus milhares de rituais já não existe, todavia o princípio do sacerdócio continua ainda hoje (1 Pe 2.9; Ap 1.6). Passou o sacerdócio de Arão, ficou o sacerdócio do cristão (Hb 4.14-16; 10.11,12; 1 Pe 2.5,9; Ap 1.6). A justificativa que alega que o cristão não está mais debaixo do preceito legal do dízimo mosaico é falha por não levar em conta que o cristão permanece ligado ao princípio moral do dízimo abraâmico. Abraão, o pai dos que creem, devolveu o seu dízimo de forma espontânea e voluntária antes do preceito legal (Gn 14.20), o que deve servir de modelo para todos os crentes. A Bíblia mostra claramente que a ordem sacerdotal a quem Abraão entregou seu dízimo é eterna, ao contrário da ordem do sacerdócio levítico, que era transitória (Hb 5.10; 7.1-10; SI 110.4).[11] Portanto, aqueles que não reconhecem mais o preceito da obrigatoriedade concernente ao dízimo, como ensinou Moisés, deveriam se submeter ao princípio da voluntariedade como exemplificou Abraão.
O dízimo no ensino de Cristo
Os Evangelhos foram escritos no contexto da Antiga Aliança, embora já prenunciassem o reino vindouro (Mc 1.15). Dessa forma, encontramos os pais de Jesus trazendo ao Templo a oferta requerida na lei para a apresentação dos primogênitos (Lc 2.22-24). Por outro lado, Mateus — que escreveu para os judeus e no contexto da Nova Aliança — destaca que Jesus não veio destruir a lei, mas para cumprir (Mt 5.17). Como um cumpridor da lei, Ele não apenas reconheceu a observância da prática do dízimo, mas até mesmo a recomendou (Mt 23.23). O escritor Paulo José E de Oliveira (1999, p. 87), argumenta que Cristo aqui nessa passagem não deu sua aprovação ao dízimo, pelo contrário, a reprovou: "Por que interpretar essas palavras de Jesus como uma aprovação do dízimo, quando na verdade elas são uma condenação dessa oferta, pelo menos na forma deturpada como os fariseus o praticavam?"[12]
Mas será que Jesus de fato condenou o dízimo? Não é isso que a erudição bíblica tem percebido. Isso pode ser demonstrado na exegese que A. T. Robertson, erudito norte-americano, fez desse texto. De fato, Robertson, que é considerado mundialmente como a maior autoridade em grego bíblico do século XX, ao comentar esse texto diz: "Jesus não condena o dízimo. O que si condena é praticá-lo descuidando-se, no entanto, do mais importante (ta baruterá). Os fariseus eram cuidadosos com o exterior; cf Lucas 11.39-44".[13]
O dízimo no ensino de Paulo
Nas epístolas, Paulo fez referência ao dízimo levítico para extrair dele o princípio de que o obreiro é digno do seu salário (1 Co 9.9- 14; Lv 6.16,26; Dt 18.1). Se o apóstolo não reconhecesse a prática do dízimo em seus dias como legítima, jamais teria usado esses textos do Antigo Testamento para provar a validade do seu argumento. A. T. Robertson, ao comentar o texto de 1 Coríntios 9.14, afirma:
Assim como Deus deu ordens acerca dos sacerdotes no Templo, do mesmo modo o Senhor Jesus deu ordens para aqueles que pregam o evangelho, que vivam do evangelho (ek to euaggeliou zein). Evidentemente, Paulo estava familiarizado com as palavras de Jesus em Mateus 10:10; Lucas 10:17ss., tanto em sua forma oral, como escrita. Apresentou claramente o argumento em favor do salário do ministro para todas as épocas.[14]
Nas epístolas, por exemplo, temos vários textos de Paulo condenando a circuncisão, uma prática que assim como o dízimo era anterior a lei, mas não encontramos nos escritos desse mesmo apóstolo um único versículo condenando a prática do dízimo. A falta de um ensino normativo de Paulo sobre o dízimo deve ser visto da mesma forma que ele o faz em relação, por exemplo, às doutrinas da trindade e do batismo no Espírito Santo. Todas são doutrinas genuinamente bíblicas, mas Paulo não normatizou nenhuma delas. Dizer que Paulo era contra a Trindade ou o batismo no Espírito Santo por não usar essas expressões em seus ensinos é um erro. Da mesma forma é um erro imaginar que Paulo era contra o dízimo porque não se referiu a ele de forma explícita.[15] Simon Kistemaker (2004, p. 416), erudito de tradição reformada, ao comentar 1 Coríntios 9.13, destaca que o pensamento de Paulo era fazer os coríntios entender que
as provisões para os sacerdotes e levitas são as mesmas para os pregadores do evangelho. Não a forma, mas o princípio por trás dessas providências precisa ser observado. Não deveria haver diferença nenhuma.[16]
Um dos princípios claros do dízimo abraâmico era a voluntariedade. Abraão entregou os 10% por gratidão; Levi por coerção! Kistermaker (2003, p. 270) trata desse aspecto da voluntariedade do dízimo quando diz:
"O Novo Testamento, no entanto, não apresenta imposições específicas sobre o dízimo", mas destaca que na época do Antigo Testamento, o dízimo era usado para sustentar o sacerdote, o levita e as cerimônias religiosas do santuário. No Novo Testamento, Jesus ensina que "o trabalhador é digno do seu salário" (Lc 10.7); Paulo repete essa regra tanto indiretamente quando diretamente quando ele escreve sobre o auxílio financeiro daqueles que proclamam o evangelho (1 Co 9.14; 1 Tm 5.17,18).[17]
Princípios que fundamentam a prática dos dízimos e das ofertas nas duas Alianças
Reconhecer a soberania e bondade de Deus
Um dos princípios básicos da prática do dízimo é que Deus é soberano sobre todas as coisas. Tudo vem dEle e é para Ele (Ag 2.8; Cl 1.17). Quando o crente devolve a Deus o seu dízimo, está demonstrando com esse gesto que é reconhecedor de que o Senhor é a sua fonte de tudo, inclusive de sua prosperidade. A exclamação de Melquisedeque — "Bendito seja o Deus Altíssimo" — foi respondida por Abraão com a devolução do dízimo (Gn 14.20).
Esse princípio pode ser observado nas leis concernentes ao dízimo dos produtos de origem agrícola bem como dos rebanhos de animais (Lv 27. 30-34). Deus é criador dos céus e da terra e de tudo o que há neles (SI 24.1; Is 48.13). O gesto do cristão em devolver parte daquilo que Deus lhe concedeu demonstra esse reconhecimento.
Reconhecer a dependência de Deus
Alguns filósofos não gostam da ideia de o homem ser dependente de alguma coisa, muito menos de Deus. Jean-Paul Sartre, filósofo francês, dizia que o homem está sozinho no universo! Ele está desolado e deve se virar sozinho. Por outro lado, Nietzsch, filósofo alemão, acusava o cristianismo, inclusive Paulo, de implantar nos homens aquilo que ele chamava de "moral de escravo". Em outras palavras, o cristianismo fazia os homens se tornarem humildes e dependentes, o que segundo ele era um equívoco. Na sua visão o homem era uma fera e devia "botar os bichos" para fora!
O princípio da devolução do dízimo vai contra tudo isso, pois ele nos faz reconhecer que somos dependentes de Deus. Se temos alguma prosperidade é porque o Senhor foi generoso conosco (Gn 33.11). Infelizmente alguns crentes ignoram esse fato e agem como se as suas conquistas fossem apenas mérito de seus esforços (Jz 7.2).
Reconhecer o valor do próximo
O livro de Deuteronômio registra que havia um tipo de dízimo que deveria ser repartido entre os pobres (Dt 14.28,29; 26.12-15). Esse era um dízimo comunitário e era praticado a cada três anos. O propósito é mostrar apreço pelos menos favorecidos. Dentro desse contexto, devemos reconhecer algumas dimensões do dízimo: religiosa, ligada à manutenção dos templos, obreiros, etc.; social, ligada à manutenção das obras assistenciais da igreja; missionária, ligada ao propósito de levar o evangelho a todas as pessoas; patrimonial, ligada à regularização de obras, aquisição, edificações, funcionários.[18]
Os dízimos, ofertas e votos que eram feitos a Deus no Antigo Testamento jamais devem ser interpretados como uma prática de barganha. A ideia de que Deus nos dará algo em troca ou que Ele agora é devedor, ficando na obrigação de pagar tudo que nos deve, porque como dizimistas nos candidatamos a receber as bênçãos sem medida, caracteriza sem dúvida alguma a prática da barganha. O barganhista faz esperando receber algo em troca. Ele condiciona a sua fé em Deus ao cumprimento dos seus desejos. Em outras palavras, se Deus fizer o que o barganhista pede ou necessita então ele em contrapartida também fará o que prometeu. .
Um dos textos bíblicos muito usado para justificar essa prática é Gênesis 28.10-22, quando Jacó fez um voto ao Senhor:
Partiu, pois, Jacó de Berseba, e foi-se a Hará. E chegou a um lugar onde passou a noite, porque já o sol era posto; e tomou uma das pedras daquele lugar, e a pôs por sua cabeceira, e deitou-se naquele lugar. E sonhou: e eis era posta na terra uma escada cujo topo tocava nos céus; e eis que os anjos de Deus subiam e desciam por ela. E eis que o Senhor estava em cima dela e disse: Eu sou o Senhor, o Deus de Abraão, teu pai, e o Deus de Isaque. Esta terra em que estás deitado ta darei a ti e à tua semente. E a tua semente será como o pó da terra; e estender-se-á ao ocidente, e ao oriente, e ao norte, e ao sul; e em ti e na tua semente serão benditas todas as famílias da terra. E eis que estou contigo, e te guardarei por onde quer que fores, e te farei tornar a esta terra, porque te não deixarei, até que te haja feito o que te tenho dito. Acordado, pois, Jacó do seu sono, disse: Na verdade o Senhor está neste lugar, e eu não o sabia. E temeu e disse: Quão terrível é este lugar! Este não é outro lugar senão a Casa de Deus; e esta é a porta dos céus. Então, levantou-se Jacó pela manhã, de madrugada, e tomou a pedra que tinha posto por sua cabeceira, e a pôs por coluna, e derramou azeite em cima dela. E chamou o nome daquele lugar Betei; o nome, porém, daquela cidade, dantes, era Luz. E Jacó fez um voto, dizendo: Se Deus for comigo, e me guardar nesta viagem que faço, e me der pão para comer e vestes para vestir, e eu em paz tornar à casa de meu pai, o Senhor será o meu Deus; e esta pedra, que tenho posto por coluna, será Casa de Deus; e, de tudo quanto me deres, certamente te darei o dízimo.
Uma leitura equivocada do hebraico original está por trás desse erro de interpretação. Clyde T. Francisco (1987, p. 277), erudito em Antigo Testamento, observa que
é muito mais razoável traduzir voto, como o hebraico permite, de forma que "o Senhor será o meu Deus" seja parte da prótase (a cláusula "se"): "Se Deus for comigo... me guardar... me der... e o Senhor for o meu Deus, então esta pedra...".[19]
Por outro lado, o comentarista bíblico Warren W. Wiersbe (2008, p. 161) acrescenta que o "se" que aparece em várias traduções no versículo 20 também pode ser entendido como "uma vez que". Jacó não estava negociando com Deus; estava afirmando sua fé em Deus. Uma vez que Deus havia prometido cuidar dele, ficar com ele e levá-lo de volta ao lar em segurança, Jacó afirmaria sua fé em Deus e buscaria adorá-lo e honrar somente ao Senhor.[20]
Essas explicações são necessárias porque nos permitem ver as bênçãos de Deus, decorrentes de nossa fidelidade, como devem ser vistas, isto é, sem aquela ideia de troca tão comum em muitas igrejas. Nas Escrituras, portanto, é possível verificarmos que as bênçãos de Deus alcançam os dizimistas e ofertantes.
Multiplicação
Tanto o Antigo como o Novo Testamento demonstram que Deus reconhece e recompensa a fidelidade do povo de Deus. Quando o crente é liberal em contribuir com o Reino de Deus, uma consequência natural do seu gesto é a bênção da multiplicação dada pelo Senhor. Deus promete derramar bênçãos sem medida e fazer abundar em toda graça (Ml 3.10; 2 Co 9.6-10). Paulo reconhece que a generosidade dos crentes é como sementes que estão sendo plantadas e são vistas por Deus como atos de justiça. Essa semente que foi plantada em solo fértil não apenas crescerá, mas será multiplicada pelo Senhor.
Uma das necessidades básicas do ser humano é a de ser protegido. Proteção tanto na vida pessoal como na profissional. A Escritura revela que Deus se interessa e cuida da proteção dos seus filhos. A Bíblia também mostra que essa bênção da proteção está sobre os negócios do crente que é generoso em contribuir com seus bens para a causa de Deus (Ml 3.11). O profeta Ageu denunciou a infidelidade do povo no Antigo Testamento e responsabilizou-a como a causa da falta de prosperidade entre o povo (Ag 1.3-11).
Por outro lado, lemos no livro de Êxodo que uma das bênçãos de Deus sobre o seu povo era a proteção contra as doenças (Ex 15.26). Havia, portanto, uma bênção específica concernente à saúde. Todavia, o texto é claro em condicionar essa bênção à obediência aos mandamentos de Deus e à guarda de todos os seus estatutos (Ex 15.26). É lógico que a prática do dízimo como uma das leis do código mosaico estava incluída na observância desses preceitos.
Restituição
A Bíblia mostra que o Senhor é um Deus de restituição (Nm 5.7; Jl 2.25). Israel, como uma sociedade de economia agrícola, tinha suas lavouras constantemente atacadas por pragas que as devoravam. A Bíblia mostra essas pragas como sendo gafanhotos em diferentes estágios de desenvolvimento. A consequência natural dessa invasão de insetos era a destruição da lavoura. Para que a nação sobrevivesse era necessário a restituição feita por Deus daquilo que fora perdido (Jl 1.4; 2.25; Na 3.16). Malaquias associa o devorador como aquele "que consome o fruto da terra" (Ml 3.11). A referência aplica-se num primeiro plano às pragas de gafanhotos já citadas e em um segundo plano a toda ação do mal sobre o povo.
Provisão
Na Antiga Aliança Deus prometeu "derramar bênçãos sem medida" sobre o seu povo (Ml 3.10). Na Nova Aliança, Ele deseja que o crente tenha "ampla suficiência" (2 Co 9.8). A prosperidade bíblica é viver na suficiência de Cristo (2 Co 3.5; 9.8). Essa suficiência é vista como sendo a provisão de Deus para seus filhos. Deve ser lembrado, no entanto, que essa suficiência não deve ser confundida simplesmente com a aquisição de posses materiais, mas ter na vida material o necessário para viver com dignidade e na espiritual, paz com Deus (Fp 4.11; 2 Ts 3.16). Por toda a Escritura observamos o cuidado do Senhor no sentido de prover para o seu povo aquilo que é necessário para o seu viver.
Vimos, pois, que a prática dos dízimos e ofertas sempre esteve presente na história do povo de Deus. Evidentemente que fica para nós o princípio de que somos abençoados não porque contribuímos, mas contribuímos porque já somos abençoados. Deus reconhece a voluntariedade do crente em contribuir para o seu Reino, e por graça e misericórdia derrama sobre nós a suas muitas e ricas bênçãos. [1] GASQUES, Jerônimo. As Sete Chaves do Dízimo — Segredo a Ser Descoberto. São Paulo: Editora Paulus, 2008.
[3] Conforme citado por Ricardo Mariano no livro Neopentecostais — Sociologia do Novo Pente- costalismo no Brasil, p. 161. Os itálicos são meus.
[4] Conforme citado por Ricardo Mariano no livro Neopentecostais — Sociologia do Novo Pente- costalismo no Brasil, p. 162. Os itálicos são meus.
[6] Walter Bauer traduz apodekatoo como: dízimo, dar um décimo de alguma coisa (Gen 28.22; Mt 23.23; Lc 11.42) (BAUER, Walter. A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature. Chicago: The University of Chicago Press). Semelhantemente, o léxico Thayer's Greek-English Lexicon of the New Testament traduz como dar, pagar, a décima parte de alguma coisa. (Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, p. 591).
[7] O jornal Folha de São Paulo, do dia 06 de maio de 2007, divulgou o resultado de uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Data-Folha. Nessa pesquisa, o Data Folha perguntou aos fiéis de diferentes religiões: "Costuma contribuir financeiramente com a sua religião. O resultado obtido foi o seguinte: Dos que ganham até dois salários mínimos a porcentagem é de 80%; no que diz respeito aos que ganham mais, não chegou à casa de 77%. Ficou assim, por religião: católico 75%; evangélico pentecostal, 89%; evangélico não pentecostal, 87%; espírita, 44%; umbanda, 58%; candomblé, 67%; e outra religião, 73%".
[8] DE VAUX, Roland. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova, 2004.
[9] LIGHFOOT, Neil R. Hebreus — Comentário Bíblico Vida Cristã. São Paulo: Editora Vida Cristã, 1981.
[10] Antonio Neves de Mesquita, antigo professor de Antigo Testamento e hebraísta, observa que "o povo que não ama a sua religião não contribui para ela. Para suprir do necessário os levitas, Deus determinou que o dízimo fosse consagrado ao culto; e não era só o dízimo, pois que havia as ofertas de várias categorias, as primícias dos frutos, os sacrifícios, de que também comiam os sacerdotes, e muitas outras maneira de manter o culto [...] Se as igrejas evangélicas consagrassem os dízimos ao sustento do culto, parece que seria bem diferente a situação religiosa do ministério [..] parece que Deus não mudou o plano de sustento da religião, mas o povo é que tem mudado tudo. Os pastores sentem-se constrangidos ao ensinar o povo a pagar os dízimos para sustento do culto, por parecer que estão advogando em causa própria; e outros que poderiam ensinar sobre esta matéria não o fazem por omissão" (MESQUITA, Antonio Neves de. Estudo nos Livros de Números e Deuteronômio, p. 133).
[11] Até mesmo o dízimo mosaico estava firmado sobre princípios que iam muito além do seu aspecto meramente legal ou normativo. Princípios tais como soberania, bondade, fidelidade e misericórdia de Deus, etc. podem ser vistos claramente em textos bíblicos sobre o dízimo tanto antes como depois da lei. O próprio sacerdócio levítico, por ser transitório, possuía um caráter tipológico quando apontava para uma ordem sacerdotal superior, imutável e eterna — a ordem de Melquisedeque. A Bíblia diz que Levi, na pessoa de Abrão, pagou dízimos a Melquisedeque (Hb 7.9).
[12] OLIVEIRA, Paulo José F. Desmistificando o Dízimo — O que a Bíblia realmente Ensina sobre o Dízimo. São Paulo: ABU Editora, 1999. Mesmo não concordando com todos os argumentos de Oliveira, de-
vemos reconhecer o valor da sua pesquisa sobre a prática do dízimo, que sem dúvida é a mais completa e exaustiva feita até o presente momento. Todavia, não há como deixar de perceber que seus argumentos refletem claramente uma "Teologia da Revolta". Como Oliveira, reconheço também que há abusos, não poucos, sobre essa prática e procurei mostrar isso. Na minha concepção, faltou o autor analisar mais profundamente o momento de transição nos quais os primeiros cristãos se encontravam — a transição entre a sinagoga e a igreja. Uma análise sobre o suposto "silêncio" de Paulo sobre o dízimo necessita também levar em conta suas razões contextuais. Paulo, por exemplo, queria que a igreja se conscientizasse de que ele, como obreiro de Cristo, necessitava receber ajuda financeira, mas por uma razão contextual, isto é, não queria parecer "pesado", se privou desse direito. (1 Co 9.1-15). Veja o livro Defendendo o Verdadeiro Evangelho (Rio de janeiro: CPAD, 2009) para uma discussão sobre as práticas judaizantes.
14 ROBERTSON, A. T. Comentário al Texto Griego dei Nuevo Testamento. Barcelona: Editorial CLIE. Os itálicos são meus.
[15] Em seu livro Desmistificando o Dízimo — O que a Bíblia realmente Ensina sobre o Dízimo, o autor Paulo José F. de Oliveira argumenta que "Paulo não se refere ao dízimo uma única vez que seja" (p. 95). Todavia, como escreve Claude Geffré em seu livro Crer e Interpretar—A Virada Hermenêutica da Teologia, "o argumento do silêncio é um mau argumento". Poderíamos alegar também que "a Bíblia não se refere à palavra 'Trindade' uma única vez que seja". Sem dúvida, não podemos construir uma exegese segura sobre a prática do dízimo no Novo Testamento, fundamentados apenas no argumento do silêncio. Paulo, por exemplo, silencia sobre a doutrina do milênio, no entanto esse é um ensino claramente demonstrado no livro de Apocalipse 20.1-10. Como diz o Comentário Bíblico Moody, "a posição de Paulo em deixar que a prudência determine os princípios' em certos setores é uma questão tão delicada que muitos não o tem compreendido". Para um entendimento mais detalhado sobre princípio e preceito, veja o livro Defendendo o Verdadeiro Evangelho (Rio de Janeiro: CPAD, 2009, p. 143-148).
[16] KISTEMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento — 1º Coríntios. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004.
[17] KESTEMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento — Hebreus. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003.
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