sexta-feira, 2 de março de 2012

Lição 10 - Uma Igreja Verdadeiramente Próspera

IGREJA: O ISRAEL DO NOVO TESTAMENTO

O Israel de Deus

O escritor pentecostal Guy P. Duffield (1991, p. 219), em um estudo recente sobre a igreja, observou que:


em tempos recentes, o interesse no estudo da doutrina da igreja tem sido renovado. Cada era possui sua ênfase doutrinária especial. Nossa era não é exceção. Muitos teólogos e eruditos bíblicos contemporâ­neos afirmam que precisamos reestudar a doutrina da igreja, a fim de compreender o que ela é e qual a sua missão no mundo de hoje. Vários movimentos contemporâneos, tais como o ecumênico e o carismático, contribuíram para um ressurgimento do interesse no padrão da igreja do Novo Testamento.[1]

Esse estudo passa necessariamente por uma compreensão das me­táforas usadas em relação à igreja. Há muitas figuras no Novo Testa­mento que são usadas para descrever a igreja. A igreja é identificada, por exemplo, como sendo um santuário ou templo do Espírito Santo (1 Co 3.16); como sendo a noiva de Cristo (1 Co 11.2; Ef 5.21-32); família de Deus (Ef 2.19); a igreja é vista também como um exército (2 Co 10.4,5); a igreja como um sacerdócio (1 Pe 2.9); a igreja como um edifício (Ef 2.20-22); a igreja como mistério oculto (Ef 3.4,5; Cl 1.25- 27) e a igreja como o Israel de Deus (G1 6.16).
Esta última expressão, "Israel de Deus", encontrada em Gálatas 6.16, tem sido fonte de intensos debates por parte de muitos intérpre­tes da Bíblia. Muitos daqueles que acreditam que a expressão se refira à igreja deduzem que sendo assim ela suplantou totalmente o antigo Israel nos projetos de Deus. O teólogo O. Palmer Robertson escreveu um livro de 200 páginas no qual argumenta que o trato especial de Deus agora não é mais com o Israel nação, mas com o Israel como uma comunidade de cristãos.[2] Em outras palavras, Robertson tira seu foco do Israel étnico, como descendentes biológicos de Abraão, para pôr no Israel cristão, formado tanto por judeus como por gentios. Por outro lado, muitos outros que acreditam que essa expressão se refere ao antigo Israel deduzem que a igreja entrou no plano da redenção como um pa­rêntese até Deus cumprir seus propósitos por meio do Israel histórico.[3]No entanto, a Bíblia de Estudo Pentecostal destaca que a passagem de Gálatas 6.16 deve ser entendida no seu sentido natural, isto é, como sendo uma referência: "a todo o povo de Deus debaixo do novo concer­to, i.e., todos os salvos, tanto judeus como gentios".[4] Todavia, isso não significa dizer que o Israel nação ou histórico não seja mais importante no plano escatológico de Deus, pois a Escritura afirma que sim (Rm 11.2,25,26).
Nesta lição vamos estudar a prosperidade no contexto da igre­ja como sendo o "Israel de Deus". Deve ser destacado que a própria expressão "Israel de Deus" revela a necessidade de levarmos em conta em nosso estudo as raízes judaicas da igreja e, dessa forma, traçarmos um perfil bíblico da definição de prosperidade na esfera da igreja do Novo Testamento. Em outras palavras, um estudo mais completo sobre a prosperidade bíblica no contexto da igreja no Novo Testamento não pode de forma alguma prescindir dos princípios revelados no Antigo Testamento.

Israel como uma comunidade formadora de uma nação

J. G. Millar (2009, p. 1043) escreve que

a promessa de criar uma nação da família de Abraão se cumpre durante a permanência de Abraão no Egito, à medida que as tribos de Jacó tornam- se povo distinto. E nesse momento que Deus começa a se referir a Israel com seu povo (v. Êx 6.7, Tb. 3.7,10; 5.1; 7.16; 9.1,13; 18.1; 32.11; Tb. Lv 26.12). Javé assegura aos israelitas que se eles forem fiéis a ele, "vocês serão o meu tesouro pessoal dentre todas as nações. Embora toda terra seja minha, vocês serão para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa" (gôy qâdôsh, Ex 19.5,6). E surpreendente que essas palavras não se repitam em nenhum outro lugar no AT (embora 'am qâdôsh apareça em Dt 7.6; 14.2,21; 26.19; 28.9; Dn 8.24), pois elas oferecem uma definição incipiente da comunidade de Deus.[5]

Dessa forma, percebemos que no Antigo Testamento a nação de Israel era identificada como o povo de Deus. Na verdade, esse era o cum­primento de uma promessa feita anteriormente a Abraão (Gn 12.1,2). Esse povo foi criado com um propósito específico dentro do plano re­dentor do Senhor (Ex 19.5,6).
Observamos, pois, de acordo com Êxodo 19.5,6, que o Senhor ele­geu Israel dentre muitas nações (Dt 7.6,7) para ser sua propriedade exclusiva e povo santo. É evidente que esse "exclusivismo" era um sinal de separação que distinguiria o povo de Deus dos demais povos (Lv 20.26). Deus escolhe um povo e deseja que esse povo seja santo (Ex 19.6; Lv 21.7,8; Nm 15.40; Dt 7.6). O Israel nação deveria ser um povo santo porque também era um povo sacerdotal (Ex 19.5,6). Como sacerdotes do Altíssimo, possuíam a missão de levar o nome do Senhor a outras nações.
Tanto as bênçãos decorrentes da obediência como as maldições advindas da desobediência na Antiga Aliança (Dt 27—28) devem ser entendidas dentro desse contexto da vocação do Israel nação. O pecado, em especial a idolatria, acaba levando o povo à derrocada total culmi­nando com os cativeiros tanto do Reino do Norte, na Assíria em 722 a.C., e do Reino do Sul, na Babilônia em 586 a.C. Em meio ao caos nacional, Deus, o Senhor, promete restaurar o seu povo por meio do concurso de uma nova aliança (Jr 31.31-34; Ez 36.26). Quando Jesus Cristo veio como o mediador dessa Nova Aliança, foi rejeitado pelo seu povo (Hb 9.15; 12.24; Jo 1.12). Com a rejeição do Messias por parte do Israel nação, os propósitos de Deus para seu povo terão continuidade através do Israel cristão. Todavia, Paulo afirma que Deus não rejeitou o Israel histórico (Rm 11.2); e que "todo o Israel será salvo" (Rm 11.26).

Israel como uma comunidade formando os cristãos

A igreja é vista na Bíblia como uma comunidade dos chamados para fora. Este sentido vem da palavra ekklesia, que é formada por ek, signi­ficando para fora e kaleo, cujo sentido é chamado. No entanto, o pano de fundo que dá significado à igreja se encontra nas páginas do Antigo Testamento. Ali encontramos a palavra hebraica qahal, cujo sentido é de uma congregação ou assembleia. Em Deuteronômio 18.16, encon­tramos Moisés falando à congregação ( qahal ). Os intérpretes observam que é mantida no Novo Testamento a ideia de uma comunidade que é convocada por Deus não somente para manter comunhão fraterna, mas também ouvir a voz dEle. William Barclay (1988, p. 47) põe em relevo os significados que ekklesia assume no Novo Testamento:

1. As vezes não frequentemente é descrita em termos humanos. As­sim, por exemplo, Paulo fala da igreja dos Tessalonicenses (1 Ts 1.1; 2 Ts 1.2). Em certo sentido, a igreja é composta de homens e pertence aos homens; os homens são os tijolos com que o prédio da igreja é edificado.
2. Muito mais frequente é descrita em termos divinos. A descrição muito mais comum do que as outras é "a Igreja de Deus" (1 Co 1.2; 2 Co 1.1; G1 1.13; 1Ts2.14; lTm3.5,15). A igreja pertence a Deus e provém dEle. Se não existisse o amor de Deus, não existiria a igreja; e se Deus não fosse um Deus que se comunica, não haveria nem mensagem nem ajuda na Igreja.

3. As vezes a igreja é descrita como a igreja de Cristo, (a) Nesse sentido, Cristo é o Cabeça da Igreja (Ef 5.23,24). A Igreja deve viver e se mover segundo a mente, o pensamento e a vontade de Cristo (b) A Igreja é o corpo de Cristo (Cl 1.24). E através da igreja que Jesus Cristo age. Ela deve ser mãos para trabalhar por Ele, pés para correr levando seus recados, uma voz para falar em seu nome.6

Dentro desse contexto, Paulo fala que a igreja entra no plano da sal­vação como um mistério: "Por esta causa, eu, Paulo, sou o prisioneiro de Jesus Cristo por vós, os gentios, se é que tendes ouvido a dispensação da graça de Deus, que para convosco me foi dada; como me foi este misté- rio manifestado pela revelação como acima, em pouco, vos escrevi, pelo que, quando ledes, podeis perceber a minha compreensão do mistério de Cristo, o qual, noutros séculos, não foi manifestado aos filhos dos homens, como, agora, tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e profetas, a saber, que os gentios são co-herdeiros, e de um mesmo corpo, e participantes da promessa em Cristo pelo evangelho" (Ef 3.1-6). O mistério é que a igreja é o povo de Deus agora formado tanto pelos judeus cristãos como pelos pagãos convertidos ao evangelho (G1 6.16; Rm 2.28,29; Ef 2.14-22; Fp 3.3; 1 Pe 2.9). A igreja é o povo de Deus sob o novo pacto. Todavia, isso não quer dizer que a igreja suplantou o Israel nação. Na sua carta aos Gálatas, Paulo diz que Cristo é o "descendente" prometido por Deus por intermédio do qual todas as nações da terra seriam abençoadas (G1 3.16). Em Cristo, Deus não substitui, mas dá continuidade ao cumprimento das promessas já ante­riormente feitas. I. Howard Marshall (2007, p. 113) comenta que

a igreja, ou novo Israel, compreende crentes judeus e gentios; a missão dos discípulos é para todas as nações, o que inclui a nação judaica. Como Donald A. Hagner expõe: A igreja não toma o lugar de Israel, antes Israel encontra a sua verdadeira identidade na igreja'.[6]

O que se conclui é que o Novo Testamento revela que Deus por meio de Jesus, o Messias, renovou a aliança com seu povo e que nesse renovo do pacto tanto judeus como gentios convertidos estão incluídos nele.[7] Entrar para a igreja é reconhecer Jesus como o Messias prometido e em quem todas as promessas do Senhor se cumprem.

Dois Testamentos, um só povo

Fica perceptível, portanto, que a palavra Israel tem uma significação ampla nas Escrituras. O. Palmer Robertson (2005, p. 120), faz uma im­portante síntese sobre os principais significados desse termo. Ele destaca como lugar, Israel é a Terra Prometida. Esse local entrou em cena, pela primeira vez, com a aliança permanente que Deus fez com Abraão. O lugar chamado Israel tem um papel importante a exercer na chegada do Reino messiânico posto que o evangelho do Reino ali foi proclamado pela primeira vez. A esse lugar, e a nenhum outro, veio o rei messiânico, e nele o Espírito Soberano do Messias foi derramado na carne humana. Israel, entendido como um lugar, é importante na chegada do Reino, mas vários outros significados desse termo devem ser reconhecidos.[8]
Palmer, ainda esclarece:

"O termo Israel, no contexto histórico, inicialmente designava a pessoa de Jacó, filho de Isaque e neto de Abraão. Esse patriarca abrangia em sua pessoa todas as gerações subsequentes do povo da aliança de Deus. Em última instância, o Israel de Deus, de maneira ainda mais significativa, encontrou sua encarnação no Cristo de Deus. Enquanto Jacó, ou Israel, teve a visão de uma escada que fornecia acesso aos reinos dos céus, Jesus identificou-se como a própria escada na qual o Israel de Deus ascendia à casa do Pai (Gn 28.10-15; Jo 1.47-51). Ele abrangia em si mesmo todo o povo escolhido "nele", redimido "nele" e encontrou a garantia eterna na união com ele (Ef 1.4,7,13,14).[9]
Concluindo, diz Palmer:
Portanto, Israel pode designar um lugar ou uma pessoa. Mas, além disso, o termo pode referir-se a uma comunidade sob várias perspectivas:
1. Os descendentes étnicos de Abraão, junto com os gentios conver- tidos, poderiam designar Israel.
2. O remanescente escolhido desse povo também poderia designar Israel, separado do resto da nação (Rm 9.6).
3. Da perspectiva da nova aliança, "o Israel de Deus" poderia ser mais geral, abrangendo o corpo de judeus e gentios que creem em Jesus (G1 6.16).
4. Na linguagem contemporânea, o Estado judeu é chamado de Israel.[10]
A Igreja e sua natureza e missão Localidade

As bênçãos de Deus, quer sejam de prosperidade, quer de saúde, acontecem dentro da esfera da igreja local. Os Institutos de Pesquisas têm detectado um fenômeno entre os evangélicos brasileiros — a exis­tência de uma geração de crentes migratórios. Esses novos evangélicos não firmam raiz com igreja alguma, mas vivem sempre a se lançar à caça de uma nova igreja que lhe garanta uma bênção sem muito esforço. Esse entendimento é fundamentado numa falsa compreensão do que seja servir a Deus. Nesses casos, o crente acredita que a sua participação em uma das dezenas de correntes de prosperidade ou o cumprimento de certos rituais exigidos lhe garantirão o favor de Deus sobre a sua vida. O relacionamento com Deus e o vínculo com uma comunidade local é totalmente esquecido. Para essas pessoas, muitas vezes, o problema está com as igrejas que mal frequentam e não com eles mesmos.
Outro fator que deve ser destacado aqui é o individualismo. No atual contexto o individualismo é incentivado e o espírito comunitário é esquecido. Infelizmente a vida da igreja hoje se parece mais com con­domínio do que com um lar. Em um lar, ao contrário de um condomí­nio, todos se conhecem e se confraternizam. No condomínio, às vezes não conhecemos nem mesmo o vizinho do apartamento da frente. E preciso resgatarmos o modelo de igreja revelado no Novo Testamento. No Novo Testamento a igreja é comunitária.
Quando fazemos referência à igreja que está na cidade de Jundiai  ou à igreja que se encontra em Campo Limpo Paulista, estamos com isso falando do aspecto local da igreja. A igreja é, pois, uma comunidade local. O crente necessita fazer parte da igreja na comunidade local. Nesse sen­tido, Paulo referiu-se à "igreja de Deus que está em Corinto" (1 Co 1.2). Lemos em Atos dos Apóstolos 13.1, por ocasião da primeira via­gem missionária, que na "igreja que estava em Antioquia havia alguns profetas e doutores". Às vezes fixamos muito a atenção nos ofícios de profetas e mestres, e acabamos por esquecer que tanto os profetas como os mestres pertenciam à igreja local que estava em Antioquia. Nenhum ofício, seja ele de profeta, seja de mestre ou evangelista, é legítimo se não operar dentro da esfera da igreja local.

Augustus Hopkins Strong (2003, p. 653) diz que

o único objetivo da igreja local é a glória de Deus no estabelecimento o seu reino tanto nos corações dos crentes como no mundo. Este objetivo deve ser promovido:
a) Pelo culto em conjunto, incluindo oração e instrução religiosa (Hb 10.25)
b) Pela mútua edificação e exortação (1 Ts 5.11)
c) Pelo empenho comum na correção do mundo impenitente (Mt 28.19;  At 8.4; 2 Co 8.5; Jd 23).12

Universalidade

Por outro lado, Paulo também fala da universalidade da igreja. A igreja é local, mas também é universal, isto é, ela é formada por todos os crentes de diferentes culturas, raças e nações, tanto de gerações pas­sadas como da presente. Sobre isso Paulo usa o termo igreja de uma forma muita mais ampla: "Portai-vos de modo que não deis escândalo nem aos judeus, nem aos gregos, nem à igreja de Deus" (1 Co 10.32). Esse texto deixa claro que a igreja, além de ser formada por diferentes etnias, é vista como transcendendo seu aspecto de localidade. John Ryle destaca:

A única igreja verdadeira é composta de todos os crentes do Senhor Jesus. Ela é formada por todos os eleitos de Deus, todos os converti­dos homens e mulheres, todos os cristãos verdadeiros. Seja lá em quem for que possamos discernir a eleição de Deus Pai, a aspersão do sangue de Deus Filho e a obra santificadora de Deus Espírito nesta pessoa, ve­mos um membro da verdadeira igreja de Cristo [...] Esta é a única igreja que é verdadeiramente católica. Ela não é a igreja de qualquer nação ou povo; seus membros são encontrados em todas as partes do mundo onde o evangelho é recebido e aceito. Ela não está confinada dentro dos limites de qualquer país, ou encerrada dentro de qualquer recinto de qualquer forma particular, ou dirigida por um governo externo. Nela não há di­ferença entre judeu ou grego, negro e branco, episcopal e presbiteriano, mas a fé em Cristo está em todos eles. No último dia seus membros serão reunidos de todas as partes — norte, sul, leste e oeste — e terão todos os nomes e falarão todas as línguas, mas todos serão um em Jesus Cristo.[11]

Por outro lado, William Barclay ilustra esse fato com a figura de um soldado. Um soldado pode orgulhar-se por pertencer a um determinado regimento. Todavia, esse regimento é parte do Exército, o que é motivo grande orgulho; por sua vez o Exército faz parte das forças armadas, o que é razão para honra ainda maior. Barclay conclui dizendo que é bom orgulhar-se da congregação da qual fazemos parte; é bom nos lembrar­mos das tradições de nossa denominação. Todavia, melhor do que tudo isso é saber que somos membros da Igreja de Deus.[12]

Unidade

Um ensinamento básico nos escritos de Paulo é o que trata da uni­dade da igreja. O ensino neotestamentário revela que a igreja é una. Escrevendo aos Efésios, Paulo diz: "Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança da vossa vocação" (Ef 4.4). A palavra corpo refere-se à igreja. A igreja é um corpo e como tal seu funcionamento segue a analogia do corpo humano. Escrevendo aos Coríntios, Paulo diz: "Porque, assim como o corpo é um e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, são um só corpo, assim é Cristo também" (1 Co 12.12). Embora existam diversas deno­minações evangélicas, todavia só existe uma igreja. A igreja é o corpo de Cristo formado por todos os crentes regenerados através do sangue do Cordeiro. O teólogo Wayne Gruden comenta:

O Novo Testamento fala com frequência sobre a necessidade de lutar pela unidade da igreja visível. Isso pode ser definido da seguinte maneira: unidade da igreja ê o seu grau de isenção da divisão entre os verdadeiros cris­tãos [...] não devemos esperar uma unidade organizacional ou funcional que inclua todas essas pessoas (cristãos nominais) nem trabalhar por isso; nunca haverá unidade de todas as igrejas que se denominam "cristãs". Mas o Novo Testamento nos encoraja a lutar pela unidade de todos os verdadeiros cristãos. [13]

Santidade

Ao escrever sobre o Espírito Santo como uma chama moral, A. W, Tozer (2003, p. 98, 99) destaca que

o alicerce da experiência de todo cristão verdadeiro deve ser um princípio moral são e sadio. Nenhuma alegria é válida, nenhum deleite é legítimo quando se permite que o pecado exista na vida ou na conduta. Nenhu­ma transgressão da pura justiça tem a ousadia de justificar-se no campo da experiência religiosa superior. Buscar estados emocionais intensos ao mesmo tempo em que vivemos no pecado é abrir as portas de nossa vida inteira para o autoengano e o juízo de Deus. "Sede santos" (Lv 20.7; 1 Pe 1.16) não é um simples mote que deve ser emoldurado e pendurado na parede. Trata-se de um sério mandamento do Senhor de toda a terra. "Purificai as mãos, pecadores; e vós que sois de ânimo dobre, limpai o co­ração. Afligi-vos, lamentai e chorai. Converta-se o vosso riso em pranto, e a vossa alegria, em tristeza" (Tg 4.8,9). O ideal do verdadeiro cristão não é ser feliz, mas ser santo. Somente o coração santo pode ser a habitação do Espírito Santo,[14]

A Igreja é santa.[15] Já vimos no Antigo Testamento que a prosperi­dade estava diretamente relacionada à santidade do povo de Deus; no Novo Testamento também. Escrevendo aos filipenses, Paulo diz: "Paulo e Timóteo, servos de Jesus Cristo, a todos os santos em Cristo Jesus que estão em Filipos, com os bispos e diáconos" (Fp 1.1). O apóstolo se refere aos crentes de Filipos nessa passagem como santos. "Santo", do grego hagios, é alguém separado para um fim exclusivo. A santidade no Novo Testamento é tanto posicionai como progressiva. No primeiro caso, o crente é santo porque espiritualmente se encontra em Cristo e assim participa de sua santidade. Todavia, no seu viver diário ele tem sua parte a fazer, isto é, ajustando-se àquilo que a Palavra de Deus en­sina sobre um viver de pureza para Deus. Escrevendo aos coríntios, Paulo corrobora esse fato: "Ora, amados, pois que temos tais promessas, purifiquemo-nos de toda imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoan­do a santificação no temor de Deus" (2 Co 7.1).

Conta-se uma história que numa perigosa costa marítima no Oceano Pacífico onde havia muitos naufrágios havia também um pequeno posto de salvamento. O prédio era extremamente rude, não passando de uma pequena cabana, e havia somente um pequeno barco salva-vidas. Mes­mo assim, os membros, que eram poucos, porém dedicados, mantinham uma vigilância 24 horas sobre o mar e, sem egoísmo algum, saíam diuturnamente procurando pelas vítimas dos naufrágios. Centenas de vidas foram salvas por esse pequenino, porém eficaz posto salva-vidas, de forma que acabou ficando muito famoso. Alguns dos resgatados dos naufrágios, além de nativos da localidade, queriam associar-se no pequeno posto e dessa forma prestarem seus serviços, além de contribuírem com dinheiro para o serviço de salvamento das vítimas dos naufrágios. Foram compra­dos novos barcos, e novas tripulações foram treinadas. O pequeno posto de salvamento ganhou gente nova e ficou mais famoso.

Alguns dos membros do posto de salvamento estavam descontentes com o fato de o prédio ser tão velho e sem nenhuma estrutura de equipa­mentos. Acharam então que deveria haver um lugar que servisse de um primeiro refugio para os náufragos salvos. Assim, eles substituíram as ma­cas de emergência por camas novas e puseram uma nova mobília no pré­dio, que teve sua estrutura aumentada. O posto, agora, havia se tornado um lugar de reunião para os membros. Foi posta uma nova decoração e a mobília foi feita a capricho, pois o posto era usado agora como uma es­pécie de clube. O número de membros interessados em sair em missão de salvamento diminuiu drasticamente. A solução foi terceirizar o serviço de salvamento! A decoração do clube ainda lembrava os salvamentos, e dessa forma foi feito um barco salva-vidas litúrgico nas salas onde eram feitas as reuniões de admissão ao clube. Por aquele tempo, um grande navio nau­fragou naquelas águas, e as tripulações contratadas trouxeram barcadas de pessoas com frio, molhadas e semi-afogadas. Elas estavam doentes e sujas, e dentre elas havia negros e amarelos. Os náufragos deixaram o clube um caos! Vendo isso, os administradores do clube mandaram construir um banheiro do lado de fora, onde aqueles que haviam sido vítimas de nau­frágios pudessem tomar banho antes de entrar no clube.
Numa reunião posterior a esse naufrágio, houve uma divisão en­tre os membros do clube. A maioria havia decidido que as atividades de salvamento deveriam ser interrompidas imediatamente por serem desagradáveis e também porque atrapalhavam a vida social do clube. Poucos membros ainda insistiam em dizer que o salvamento de vidas era o propósito principal do clube e chamaram a atenção para o fato de que ele ainda era denominado de "posto de salvamento". Essa minoria inconformada foi derrotada em votação e aconselhada a sair do clube e construir seu próprio clube de salvamento um pouco mais abaixo da costa marítima. Após muitos protestos, eles se desligaram e construíram um novo posto de salvamento.
Passados alguns anos, o novo posto de salvamento vivenciou as mesmas transformações que o antigo tivera. Acabou se transformando em um novo clube, e mais um posto de salvamento foi fundado. A his­tória continuou a se repetir, de modo que, quando alguém visita aquele lugar hoje em dia, encontra dezenas de clubes exclusivos ao longo da costa marítima. Os naufrágios continuam acontecendo com frequência naquele lugar, mas a maioria das pessoas morre afogada.
Ao longo da história da igreja constatamos que essa parábola do posto salva-vidas se repete. Os movimentos restauracionistas ou avivalistas surgem como uma tentativa de colocar novamente a igreja em sua rota certa. Não há dúvida de que esse afastamento da igreja dos princí­pios cristãos está diretamente relacionado à negligência em compreen­der qual é o seu verdadeiro propósito ou missão. Não há dúvida de que as distorções da mensagem cristã causadas pela teologia da prosperidade é um fator determinante desse processo.

A igreja e o seu propósito
Em sua Primeira Epístola aos Coríntios, Paulo dá diretrizes como deve ser o culto cristão: "Que fareis, pois, irmãos? Quando vos ajuntais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação" (1 Co 14.26). Paulo diz: cada um de vós tem salmo. Salmo aqui é uma referência ao hinário da Igreja Primitiva, embora saibamos que havia também expressões de louvor em línguas desconhecidas entre os primeiros crentes (Ef 5.19; Cl 3.16). O fato é que o culto cristão deve ser feito com adoração. R. G. Rayburn comenta que

adorar a Deus é atribuir-lhe o valor de que é digno. A igreja de Jesus Cris­to é, por definição, uma comunidade de adoração que Deus chamou à existência para ser "casa espiritual... sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por intermédio de Jesus Cristo" (1 Pe 2.5). A igreja cristã, desde os seu primórdios, tem se reunido regular­mente para a adoração coletiva. Os atos de adoração mais básicos na igreja primitiva — a leitura e a exposição das Escrituras; as orações; o entorar de salmos, hinos e cânticos espirituais; e a observância dos sacramentos — to­dos derivam do exemplo e do mandamento do próprio Jesus.[16]

A igreja como uma comunidade instrutora e edificadora

O léxico grego de Kittel traz uma importante observação sobre a missão edificadora da igreja. Ao comentar a palavra oikodomê, traduzida como "edificação", diz:

Aqui a exortação pastoral do indivíduo é a forma na qual ele parti­cipa na edificação da comunidade e o desenvolvimento ou crescimento espiritual do irmão. O indivíduo ajuda edificar a comunidade recebendo para si mesmo a exortação do Evangelho e passando isto então para ou­tros. Importante, então, em relação ao termo é: 1. A relação do indivíduo com o todo, 2. O relacionamento mútuo dos membros individuais, 3. O caráter espiritual e carismático do processo de crescimento que aponta a plenitude e perfeição e não será limitado à moralidade ou interpretada erroneamente como condições sentimentais ou emocionais, e 4. A com­preensão teológica. O cristão individual contribui para edificação porque este é no final das contas a verdadeira obra de Cristo.

Nesse mesmo texto de 1 Coríntios 14.26, o apóstolo também diz "cada um de vós tem [...] doutrina". A palavra grega didaché, traduzi­da aqui como doutrina, é uma referência à instrução que era dada aos crentes através da exposição da Palavra de Deus. Toda igreja bíblica necessita da ação da Palavra de Deus. Pedro exorta aos crentes a desejar ardentemente o genuíno leite espiritual, que era capaz de dar cresci­mento para a salvação (1 Pe 2.2). E por isso que lemos que a igreja que estava em Antioquia possuía mestres (At 13.1). O próprio Deus os colocou na igreja como um ofício visando ao crescimento dos santos (Ef 4.11). Paulo diz que o propósito disso tudo é a edificação da igreja (1 Co 14.3,26). Outro aspecto que deve ser observado é o lado comu­nal da Igreja Primitiva quando vendiam suas propriedades e repartiam com os pobres, e não simplesmente o desprezo pelos bens materiais (At 4.32-35). Barnabé, por exemplo, doou uma propriedade (At 4.36-38), mas por outro lado Maria, mãe de João Marcos, continuou com a casa dela (At 12.12).

A igreja como uma comunidade proclamadora

Uma igreja adoradora, instruída na palavra, é uma igreja que pro­clama. A missão da igreja é pôr em prática a Grande Comissão (Mt 28.19). Fomos chamados para sermos proclamadores das Boas-Novas do Reino de Deus (1 Pe 2.9). Uma igreja que não prega, não evangeliza, não está cumprindo com sua missão. Gene Getz escreve que:

A igreja existe, portanto, para cumprir duas funções fundamentais — a evangelização (fazer discípulos) e a edificação (ensinar-lhes). Por sua vez, essas duas funções respondem a duas perguntas — primeira: "por que a igreja existe no mundo?" e segunda: "por que a igreja existe como comu­nidade congregacional? Quando você indaga "Por que a igreja existe no mundo?", você está perguntando o que Deus espera realizar por meio de seu povo à medida que este entra em contato com o mundo incrédulo! Quando você indaga "Por que a igreja existe como comunidade congre­gacional?", você está indagando o que Deus espera que aconteça aos fiéis à medida que se reúnem como membros do corpo de Cristo.21

A igreja é o Israel de Deus, e como tal tem a missão de ser o povo de Deus nesta terra. Dentro do contexto da prosperidade bíblica é impor­tante dizer que todas as bênçãos que Deus tem para seu povo acontecem dentro da esfera da igreja. O importante não é apenas ser abençoado, mas ser abençoado por pertencer à igreja.












[1]DUFFIELD, Guy P. Fundamentos da Teologia Pentecostal. São Paulo: Editora Quadrangular, 1991.
[2]  ROBERTSON, O. Palmer. O Israel de Deus: Passado, Presente e Futuro. São Paulo: Editora Vida, 2005.
[3]  Lewis Sperry Chafer em sua Teologia Sistemática (2003, vol. III e IV, p. 413) observa que
fazer "distinção entre o propósito para Israel e o propósito para a Igreja é táo importante quanto aquele que existe entre os dois testamentos. Pacto, promessa e provisão para Israel sáo terrestres, e Israel será uma nação respeitada na terra, quando ela for recriada. Todo pacto ou promessa para a Igreja é para uma realidade celestial, e ela continuará na cidadania celestial quando os céus forem recriados". Deve ser destacado que a teologia de Chafer reflete a influ­ência dispensacionalista de C. I. Scofield com quem manteve contato de 1903 até 1921. De acordo com a Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, a teologia de Chafer pode ser caracterizada como bíblica, calvinista, pré-milenista e dispensacionalista; mas ele era princi­palmente um expositor poderoso das Escrituras (vol. I, p. 273).
[5] MILLAR, J. G. In: Novo Dicionário de Teologia Bíblica. São Paulo: Editora Vida.
[6]  MARSHALL, I. Howard. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova.
[7]  "A ekklesía não é um povo à parte de Israel, nem um "novo povo de Deus", mas o Israel autêntico. Não sucede a Israel, mas indica a direção em que o Israel não convertido a Jesus, "o cumprimento das Escrituras", deve caminhar para alcançar a plenitude de povo eleito". GOMES, João Batista. O Judaísmo de Jesus: O Conflito Igreja-Sinagoga no Evangelho de Mateus e a Construção da Identidade Cristã. São Paulo: Edições Loyola, 2009, p. 216).
[8]   ROBERTSON, O. Palmer. O Israel de Deus— Passado, Presente e Futuro. São Paulo: Editora Vida.
[9]  Idem, Ibid.
[10] ROBERTSON, O. Palmer. O Israel de Deus—Passado, Presente e Futuro. São Paulo: Editora Vida.
[11] RYLE, John. In: Os Fundamentos. Editado por R. A. Torrey. São Paulo: Editora Hagnos,
2005, p. 553,554.
[13] TOZER, A. W. Verdadeiras Profecias para uma Alma em Busca de Deus. São Paulo: Editora dos Clássicos, 2003.
[14] TOZER, A. W. Verdadeiras Profecias para uma Alma em Busca de Deus. São Paulo: Editora dos Clássicos, 2003.
[15] Wayne Gruden destaca doze sinais que identificam uma igreja pura ou santa: doutrina bíbli­ca, uso adequado dos sacramentos ou ordenanças, aplicação correta da disciplina eclesiástica, adoração genuína, oração eficaz, testemunho eficaz, comunhão eficaz, governo eclesiástico bíblico, poder espiritual no ministério, santidade de vida entre os membros, cuidado pelos pobres e amor por Cristo. (Teologia Sistemática. São Paulo: Edições Vida Nova, 2003.)
[16] Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Vol. I. São Paulo: Edições Vida Nova.

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