quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Lição 07 - Tudo Posso Naquele que me Fortalece



O REAL SENTIDO DO "TUDO POSSO NAQUELE QUE ME FORTALECE


Como crente e leitor, já vi, li e ouvi as mais variadas e absurdas afirmações e interpretações acerca da Bíblia e do seu texto. Algumas são apenas desvios doutrinários, outras são flu­tuações teológicas, enquanto outras são verdadeiras blasfêmias. Já li que Adão, por exemplo, quando estava no paraíso, voava como qualquer ave; que houve uma raça pré-adâmica, descendente ninguém sabe de quem; que a Terra ficou deformada em consequência da queda de Lúci­fer; que Davi e Jonas eram homossexuais assumidos; que José do Egito possuiu quatro túnicas; que Saul nunca foi rei, mas apenas príncipe; que Paulo, o apóstolo, era cego; que os seres viventes de Ezequiel eram, na verdade, extraterrestres; que Jesus teria casado com Maria Madalena; que Jesus não conquistou a salvação na cruz, mas no inferno; que Jesus precisou receber a natureza de Satanás quando morreu por nossos pe­cados e que por isso necessitou nascer de novo; que Deus não conhece todo o nosso futuro; que a Bíblia não é a palavra de Deus, mas apenas a contém; que mulher não vai para o céu, porque ali seremos como os anjos e não existe anjo fêmea, mas somente macho; que as mulheres só serão salvas se receberem um espírito de varão; que Jesus não nasceu em Belém, mas em Jerusalém; que Jesus tem cerca de l,80m de altura; que o mundo acabaria em 1843, 1844, 1914, 1918, 1920, 1975, 1988, 1994, 2000, 2007, 2012, etc.; que a trindade são nove em vez de três; que não precisamos mais orar, mas determinar; que Deus vai transferir para a igreja toda a riqueza do mundo; etc., etc.

Paulo realmente disse o que dizem que ele disse?

O que todas essas interpretações têm em comum? O que as faz semelhantes? Sem dúvida alguma é a forma descontextualizada de en­tender a Bíblia. São interpretações que não levam em conta os prin­cípios básicos de interpretação da Bíblia. Em outras palavras, nem a hermenêutica nem tampouco a exegese bíblica nortearam a construção desses argumentos doutrinários. Stanley J. Grenz (2007, p. 66) esclare­ce que a hermenêutica se preocupa "com o entendimento dos papéis e dos relacionamentos singulares entre o autor, o texto, e o público-leitor original e o posterior".[1]
Em palavras mais simples, uma interpretação correta das Escrituras deve levar em conta seu contexto histórico-social.[2] Quando isso não é feito, abre-se a porta para as mais fantasiosas interpretações do tex­to bíblico. Um exemplo moderno desse tipo de interpretação pode ser encontrado no sentido que tem sido atribuído às palavras do apóstolo Paulo em Filipenses 4.13.

Vejamos o texto bíblico no seu contexto:

Ora muito me regozijei no Senhor por, finalmente, reviver a vossa lembrança de mim; pois já vos tínheis lembrado, mas não tínheis tido oportunidade. Não digo isto como por necessidade, porque já aprendi a contentar-me com o que tenho. Sei estar abatido e sei também ter abun­dância; em toda a maneira e em todas as coisas estou instruído, tanto a ter fartura como a ter fome, tanto a ter abundância como necessidade. Posso todas as coisas naquele que me fortalece. Todavia, fi­zestes bem em tomar parte na minha aflição. E bem sabeis também vós, ó filipenses, que, no princípio do evangelho, quando parti da Macedónia, nenhuma igreja comunicou comigo com respeito a dar e a receber, senão vós somente. Porque também, uma e outra vez, me mandastes o neces­sário a Tessalônica. Não que procure dádivas, mas procuro o fruto que aumente a vossa conta. Mas bastante tenho recebido e tenho abundância; cheio estou, depois que recebi de Epafrodito o que da vossa parte me foi enviado, como cheiro de suavidade e sacrifício agradável e aprazível a Deus. O meu Deus, segundo as suas riquezas, suprirá todas as vossas necessidades em glória, por Cristo Jesus. (Fp 4.10-19).

Aqui estão as palavras que tem sido o carro-chefe do triunfalismo neopentecostal: "Posso todas as coisas naquele que me fortalece (Fp 4.13). Essas palavras foram escritas pelo apóstolo Paulo e endereçadas à igreja de Filipos por ocasião de sua segunda viagem missionária (At 16.6-40). G. F. Hawthorne (2008, p. 57) detalha que

Paulo veio a Filipos em consequência de uma visão que teve quando es­tava em Trôade. Ele viu "um macedónio" e ouviu-o dizer: "Passa à Ma­cedónia, vem socorrer-nos!". Imediatamente após a visão, Paulo e seus companheiros abandonaram a tentativa de ir para a Bitínia, e em vez disso, decidiram ir à Macedónia, concluindo que Deus os chamara para ali pregar o evangelho (At 16.9,10). Segundo o relato de Atos, o primeiro convertido ao cristianismo em Filipos foi uma mulher, Lídia. Embora fosse pagã, Lídia era uma adoradora de Deus, pois se sentira atraída pelos elevados ideais da religião judaica (At 16.14). Mas, quando ouviu Paulo anunciar o evangelho, como Lucas disse, o Senhor lhe abriu o coração, ela pôs sua fé em Jesus Cristo e junto com sua casa recebeu o batismo (At 16.14,15). Essas pessoas se tornaram o núcleo da Igreja de Filipos e, quando se reuniram na casa de Lídia, demonstraram grande bondade em sua generosa hospitalidade a Paulo e seus companheiros, persuadindo-os a se juntar àquela casa e ali se hospedar.[3]

Os estudiosos da Bíblia estão de acordo que o apóstolo endereçou essa carta à igreja de Filipos por ocasião de seu aprisionamento em Roma. Mas o que essas palavras de Paulo significam não tem tido o mesmo consenso entre os evangélicos. O sentido mais popular dado a ela expõe mais presunção do que confiança; mais triunfalismo do que uma verdadeira fé. Fora do seu contexto, o entendimento que lhe é atribuído é que o crente pode possuir o que quiser, já que é Deus quem lhe garante isso. "Tudo posso" ganhou o sentido de "te­nho posse". Passa, então, a ser usado como um mantra que garante a conquista de bens materiais seja em que condição for. Mas será esse o real sentido desse versículo?

Paulo e a adversidade

Como já vimos, uma das regras básicas dos princípios de interpre­tação da Bíblia é a análise do contexto da passagem que se está estudan­do. A grande maioria dos erros doutrinários surge por conta da violação desse princípio. O texto ora em estudo não foge a essa regra.
Quando alguém usa as palavras de Paulo para justificar uma vida em total saúde e riqueza e isenta de problemas, evidentemente que está fazendo uso indevido do pensamento do apóstolo. Isso por uma razão bastante simples — antes de declarar sua total suficiência em Cristo, o apóstolo diz: "Sei estar abatido e sei também ter abundância; em toda a maneira e em todas as coisas, estou instruído, tanto a ter fartura como a ter fome, tanto a ter abundância como a padecer necessidade" (Fp 4.12). Somente após afirmar que passou por situações mais adversas nas quais viveu em escassez e em outras nas quais experimentou abundância é que ele diz poder todas as coisas naquEle que o fortalecia. Ao estudar exaustivamente as palavras de Paulo em sua carta aos filipenses, o erudi­to William Hendriksen (2005, p. 593) destacou que

Paulo não é nenhum presunçoso para proclamar: "Eu sou o capitão da minha vida". Nem tampouco é um estoico que, confiando em seus pró­prios recursos, e supostamente imperturbável ante o prazer ou dor, busque com todas as suas forças supor, sem a menor queixa, sua irremediável necessidade. Conhece (pessoalmente) tanto as alegrias quanto as aflições, e aprendeu a permanecer contente. Seu contentamento, porém, tem sua razão em um outro, além de si mesmo. O verdadeiro Manancial ou Fonte da suficiência espiritual de Paulo está mencionado no versículo 13. E essa fonte jamais secará, não importa quais forem as circunstâncias [...] aque­les que rejeitam a Cristo não podem compreender como um cristão pode permanecer calmo na adversidade e humilde na prosperidade.[4]

Dizer, portanto, que Paulo "deu a volta por cima" é forçar a Escritura a dizer uma coisa que ela não diz. Paulo não serve como exemplo de alguém que começou pobre e terminou rico. Paulo nun­ca se preocupou por estar por baixo e também nunca se preocupou em ficar por cima. Paulo começou seu ministério fazendo tendas, que era um trabalho duro (At 18.3), e terminou em uma prisão em Roma (Fp 3.12; At 28.30). A prosperidade do apóstolo não depen­dia da abundância ou escassez de bens materiais, mas da sua sufici­ência em Cristo. Hendrikson resume .as palavras do apóstolo nesse contexto como segue:

1. Viver em circunstâncias de apertura
O apóstolo de fato sabia o que era passar necessidade, pelo que ve­mos nas seguintes passagens: At 14.19; 16.22-25; 17.13; 18.12; 20.3; capítulos 21—27; 2 Coríntios 4.11; 6.4,5; 11.27,33. Ele sabia o que era fome, sede, jejum, frio, nudez, padecimentos físicos, tortura mental, perseguição, etc.

2. Ter fome
Fome e sede são com frequência mencionadas juntas (Rm 12.20; 1 Co 4.11; 2 Co 11.27; cf. como anseio espiritual: Mt 5.6).

3. Ter carência
O apóstolo, com frequência, não tinha o necessário. Sua falta de conforto era tanta, que sua situação chegava à mais Ama penúria. Toda­via, nenhuma dessas coisas o privou de seu contentamento.
4.  Ter fartura
Antes de sua conversão, Paulo era um fariseu preeminente. O fu­turo se lhe divisava brilhante e promissor. Paulo possuía abundância, e isso de várias maneiras. Todavia, ele tinha carência do tesouro mais precioso: a paz centrada em Cristo.[5]

Alegria na tristeza!

Acerca desse contentamento paulino que deve servir de exemplo para o cristão, John Piper (2003, p. 238,239) observou que

o caminho do Calvário com Jesus não é um caminho sem alegria. E uma via dolorosa, mas profundamente feliz. Quando escolhemos os prazeres transitórios do conforto e da segurança, e não os sacrifícios e sofrimento do trabalho missionário, evangelístico, de ministério e amor, estamos nos privando da alegria. Rejeitamos as fontes cujas águas nunca secam (Is 58.11). As pessoas mais felizes do mundo são as que experimentam o mis­tério de "Cristo em vós, a esperança da glória" (Cl 1.27), satisfazendo seus anseios mais profundos e libertando-os para poderem estender ao mundo as aflições de Cristo, por meio dos seus próprios sofrimentos.

Essas palavras de Piper são mais bem compreendidas quando as vemos à luz do contexto da carta de Paulo aos filipenses. Os intérpretes denominam a Epístola aos Filipenses de a "mais alegre" do Novo Tes­tamento. De fato encontramos passagens nessa carta paulina que com­provam essa verdade (Fp 2.18; 4.4-6). Não devemos esquecer que essa carta é denominada de "epístola da prisão", pelo fato de o apóstolo tê-la escrito durante seu período de encarceramento. Todavia, o que mais impressiona é que Paulo demonstrava contentamento mesmo sofrendo perseguição e rejeição (Fp 4.14; 1.7,13,17). O que fica claro é que a felicidade cristã não depende de circunstâncias externas, mas revela um estado de espírito que está em paz com Deus.
Para o apóstolo, a sua prisão estava sendo uma fonte de bênçãos para o progresso do evangelho da mesma forma que a sua liberdade havia sido (Fp 1.13,14). O que importava naquele momento não era uma conquista pessoal, mas ser Cristo Jesus engrandecido pelo seu tes­temunho, mesmo que este fosse dado de dentro de uma masmorra. Não vemos em Paulo um escapismo triunfalista que nega o sofrimento por meio da confissão positiva do tipo "tudo posso, tudo posso!". Tampou­co o vemos lamentando por Deus haver permitido tal situação. O que prevalece é o contentamento em tudo! Somente pessoas amadurecidas na fé são conscientes de que a alegria espiritual pode brotar em meio ao sofrimento (2 Co 12.10). Quando fazemos uma análise sobre o espinho na carne de Paulo (2 Co 12.1-10), descobrimos, por exemplo, que:

Estava dentro do plano de Deus - "foi me posto", v. 7;
Produz desconforto - "para me esbofetear", v. 7;
Produz humildade - "não me exalte"; Incita à oração - "três vezes pedi ao Senhor", v. 8;
Deixa-nos sensíveis para as coisas espirituais "Então Ele [Deus] me disse", v. 9;
Revela a graça de Deus - "a minha graça te basta", v. 9;
Molda-nos - "o poder se aperfeiçoa na fraqueza", v. 9;
Faz-nos sentir prazer onde antes só havia dor — "sinto prazer nas fraquezas", v. 10.

Por sua vez, R. C. Sproul (1999, p. 305,306) comenta que

às vezes, a presença da dor em minha vida traz o beneficio prático de me santificar. Deus trabalha em mim através da aflição. Por mais desconfor­tável que a dor possa ser, sabemos que as Escrituras nos dizem constante­mente que a tribulação é um meio pelo qual somos purificados e conduzi­dos a uma dependência mais profunda de Deus. Há um benefício a longo prazo que presumivelmente perderíamos não fosse pela dor que somos chamados a "suportar por um pouco". As Escrituras nos dizem para su­portar por um pouco, porque a dor que experimentamos agora não pode ser comparada com as glórias reservadas para nós no futuro. Do outro lado, o prazer pode ser narcótico e sedutor, de modo que quanto mais o apreciamos e mais o experimentamos, menos conscientes nos tornamos de nossa dependência e necessidade da misericórdia, auxílio e perdão de Deus. Prazer pode ser um mal disfarçado, produzido pelo Diabo para nos levar à ruína final. Essa é a razão por que a procura do prazer pode ser perigosa. Quer experimentando dor ou prazer, não queremos perder Deus de vista, e nem a necessidade que temos dEle.

A prosperidade dos humildes

Fica bem claro na Epístola aos Filipenses que o segredo do conten­tamento de Paulo é resultado de sua dependência do Senhor. As suas ca­rências levaram-no a abandonar o orgulho, que era marca de seu antigo viver, para com humildade buscar no Senhor suprir suas necessidades, tanto materiais com espirituais (2 Co 11.18-28).
Geralmente a prosperidade exibida hoje no meio evangélico expri­me mais uma atitude de orgulho do que de humildade. O "tudo posso" passou a significar o desvendamento de um segredo que torna aquele que possui sua chave capaz de conquistar o que quiser. Possuir uma casa já não satisfaz, é necessário possuir uma mansão. Possuir um carro 1.0 pode ser um sinal de pobreza; é necessário, portanto, possuir um 4x4 off road. Ser pastor de uma igreja pequena é um testemunho contra a prosperidade; portanto, faz-se necessário pastorear uma grande cate­dral. Estamos na época dos pastores pop stars e das mega igrejas! Não se está afirmando aqui que possuir esses bens seja errado ou pecado, mas a atitude e o objetivo com que se possui podem estar.
Não há como negar que a teologia de filipenses se contrapõe a tudo isso. A competição por status que contamina hoje tanto leigos como cléri­gos é duramente combatida por Paulo: "Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo" (Fp 2.3). Não podemos concordar com uma prosperidade que fomenta o orgulho. O “tudo posso” que nos esvaziou de tudo.

Jesus Cristo, nosso exemplo máximo de humildade

Por outro lado, para Paulo, o maior exemplo de humildade não era ele, mas Cristo Jesus (Fp 2.5). Para que sua lição ficasse bem clara, o apóstolo passa a relatar sua compreensão teológica da encar­nação do Verbo de Deus. Jesus, mesmo sendo Deus, humanizou-se assumindo a forma de servo (Fp 2.6,7). A encarnação não diminuiu sua divindade, mas acrescentou a sua humanidade. Ele não perdeu seus atributos divinos, mas ao assumir a forma de servo passou a viver os limites vividos pelos homens. O relato lembra a passagem do Evangelho de João em que o Senhor, orando, diz: "E, agora, glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse" (Jo 17.5). Como, pois, demonstrar ostentação diante dos homens e de Deus se o Filho de Deus, mesmo sendo Rei, se tornou servo, e mesmo sendo rico se fez pobre (Fp 2.6; 2 Co 8.9)?



Prosperidade na caridade

"E peço isto: que a vossa caridade aumente mais e mais em ciência e em todo o conhecimento" (Fp 1.9). A palavra "caridade" nesse texto é a tradução da palavra grega ágape, cujo significado básico é amor. Todavia, o termo grego pode ser traduzido também como benevolência e boa von­tade. Ao traduzir ágape por caridade nessa passagem bíblica, a tradução ARC põe em destaque o caráter generoso dos filipenses. Caridade aqui tem como sinônimo generosidade e não significa de forma alguma que alguém é salvo pelas obras (Ef 2.8). Os filipenses haviam se sensibilizado com a situação de carência do apóstolo e por isso resolveram ajudá-lo (Fp 4.15). O modelo de prosperidade pregado por Paulo soa muito diferente daquele que é adotado hoje. Prosperidade no atual contexto significa "in­dependência". Ê por isso que vemos os constantes apelos do tipo "Venha conquistar sua independência financeira". Paulo era próspero e feliz, mas dependeu da ajuda de seus irmãos e demonstrou satisfação por isso.
E interessante analisarmos o "tudo posso" (Fp 4.13) do apósto­lo à luz do que ele diz em Filipenses 4.11. A palavra contentar-me (ARC) nesse versículo traduz o termo grego autarkes. Essa palavra possui como significados na língua original, dentre outros: indepen­dente de circunstâncias externas; contente com a sua sorte ou fortuna, com os recursos que possui, ainda que limitadíssimos.[6] Paulo havia aprendido a ser contente com tudo ou sem nada. Na filosofia estóica, a palavra era usada para se referir ao homem que aprendera a não depender de ninguém. Os estoicos eram famosos por fazer a felicidade depender deles mesmos e não de fatores externos.[7] Todavia, o pensamento de Paulo desloca esse centro de dependência que se fixa no próprio ho­mem, conforme o pensamento dos estoicos, para colocá-lo em Cristo. Não há dúvida de que essa era a razão de o apóstolo demonstrar gra­tidão ao filipenses por eles permitirem serem instrumentos de Deus para abençoá-lo. E por isso que Paulo recebe essa ajuda dos filipenses como sendo um sacrifício agradável e aprazível a Deus (Fp 4.18). Essa gratidão pela ação dos filipenses foi sem dúvida alguma a principal motivação da carta que lhes foi enviada.

Unidade e prosperidade

Dentre as muitas recomendações do apóstolo à igreja de Filipos, encontramos esta: "Rogo a Evódia e rogo a Síntique que sintam o mesmo no Senhor" (Fp 4.2). Um fato de fácil percepção na carta aos filipenses é que a felicidade se fundamenta em relacionamentos. Relacionamento vertical e horizontal; com Deus e também com o próximo (Fp 2.1). Qualquer teologia que pregue a prosperidade ge­nuinamente bíblica deve levar em conta a figura do outro. Não existe igreja próspera se por dentro ela está fragmentada. A prosperidade se consolida na unidade. Pensando nisso, Paulo conclui essa carta com um pedido pela unidade da igreja.[8]
Por outro lado, Paulo alerta os filipenses: "Guardai-vos dos cães, guardai-vos dos maus obreiros, guardai-vos da circuncisão!" (Fp 3.2). Uma igreja feliz e próspera é aquela que não somente se man­tém coesa por dentro, mas também se guarda das intrusões externas. Os eruditos têm observado que, ao chegar nesse ponto, a carta aos filipenses muda de tom. Segundo a obra Dicionário de Paulo e suas Cartas,

Paulo agora começa um penoso ataque àqueles que subvertem os fili­penses — as pessoas que são inimigas da cruz de Cristo. Ele se opõe a qualquer influência que eles possam ter tido, com a afirmação da auto­ridade dele próprio baseada não em posição, mas em sacrifício [...] não pelo valor dele mesmo, mas pelo valor extraordinário de Jesus Cristo (Fp 3.2-21).

Os judaizantes eram uma ameaça constante à igreja nos dias de Paulo, e hoje os modismos e heresias ameaçam da mesma forma. Deve­mos lembrar que a prosperidade do cristão também acontece no nível doutrinário. Quantos crentes demonstram muita prosperidade material, mas estão contaminados pelo fermento doutrinário? Há saúde físi­ca, mas não espiritual.
A Epístola aos Filipenses não ensina a doutrina da prosperidade nos moldes que está sendo divulgada hoje. O "tudo posso" do apóstolo Paulo revela mais dependência do que independência. Paulo era um homem dependente de Deus e por isso aprendeu a não moldar a sua vida espiritual pelas circunstâncias do momento. Cristo era o centro de sua felicidade e satisfação. O mesmo Deus que o fortalecia para viver em abundância, era o que o fortalecia quando vivia em escassez. Tudo podemos naquEle que nos fortalece!




[1] GRENZ, Stanley. Dicionário de Teologia Bíblica. São Paulo: Editora Vida, 2007.
[2] Paulo Anglada, ao escrever sobre a função da hermenêutica e da exegese, observa que "moderna­mente esses termos têm sido usados de forma diferente. A exegese se refere ao estudo das Escri­turas com vistas a descobrir o sentido original pretendido pelo autor; enquanto a hermenêutica designa estritamente o estudo do seu dignificado contemporâneo. Nesse sentido a exegese seria uma tarefa inicial histórica, pela qual se busca compreender o que os leitores originais entende­ram, enquanto que hermenêutica consistiria numa tarefa teológica prática e subsequente, através da qual se busca compreender a relevância da mensagem bíblica para nós, hoje, no contexto em que vivemos". Anglada ainda destaca a importância do método gramático-histórico de interpre­tação e o descreve como sendo o método que "leva em conta as pressuposições bíblicas quanto à própria natureza das Escrituras e emprega princípios gerais e métodos linguísticos e históricos que são coerentes com o caráter divino-humano da Bíblia" (ANGLADA, Paulo. Introdução à Hermenêutica Reformada. São Paulo: Editora Cultura Cristã).
[3] HAWTHORNE, G. F. Dicionário de Paulo e suas Cartas. São Paulo: Editora Paulus.
[4] HENDRIKSON, William. Comentário do Novo Testamento — Efésios e Filipenses. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2005.
[5] Idem, p. 594.
[6] G. Kittel destaca que essa "palavra é um conceito central na discussão ética do tempo de Sócrates e ainda também um termo gasto pelo uso ordinário. Na filosofia cínica e estóica denota alguém que exercita suficiência em relação às suas próprias possibilidades internas e de quem se torna um homem independente. Dessa forma suficiente em si mesmo e que não necessita de ninguém" (KITTEL, Gerhard (Hrsg.); BROMILEY, Geoffrey William (Hrsg.); FRIEDRICH, Gerhard (Hrsg.): Theological Dictionary ofthe New Testament. electronic ed. Grand Rapids, MI : Eerdmans, 1964-cl976, S. 1:466-467).
[7] Por outro lado, Wilton Nelson observa que a "ideia maior dos estoicos era "o homem sábio", o que vive conforme a natureza (ou seja, racionalmente), domina as paixões e suporta sere­namente o sofrimento. O fim supremo (sumu bem) de sua ética era a felicidade que consiste em viver conforme a virtude que é o bem. Muitas características dos estoicos foram também as doutrinas da igualdade de todas as pessoas e cosmopolitismo. O estoicismo, ainda que austero, podia adaptar-se a muitas das verdades cristãs. Muito da linguagem que Paulo usa no Areópago foi tomada do estoicismo. Contudo, os estoicos de sua época não lhe prestaram muita atenção" (Nelson, Wilton M.; Mayo, Juan Rojas. Nelson Nuevo Diccionario Ilustrado De La Biblia. electronic ed. Nashville: Editorial Caribe, 2000, c 1998).
[8]  HAWTHORNE, G. F. Dicionário de Paulo e suas Cartas. São Paulo: Editora Paulus.

Nenhum comentário:

Postar um comentário