Desde a primeira lição deste trimestre, venho mostrando que a prosperidade bíblica se alicerça fundamentalmente em um correto relacionamento com o Senhor. Quando fórmulas, técnicas ou quaisquer outros meios substituem a comunhão do crente com o seu Deus, então o caminho para uma fé deformada está aberto. Esse modelo teológico que ignora a existência humana e não leva em conta a soberania de Deus sobre a história tem produzido uma geração de crentes superficiais. E o que é pior — tem se tornado quase que exclusivamente o único tipo de fé conhecida. O cristianismo ortodoxo tem sido empurrado para a periferia da fé. A química resultante da mistura desse modelo teológico com o princípio bíblico da retribuição tem originado uma excrescência dentro do protestantismo evangélico — a Teologia da Barganha.
Os pressupostos da Teologia da Barganha já são perceptíveis no Antigo Testamento, nos argumentos defendidos pelos amigos de Jó: Elifaz, Bildade, Zofar e Eliú. E possível vermos na teologia desses homens uma relação distorcida entre pecado e punição. Em palavras mais simples, eles defendiam a tese de que por traz do sofrimento de Jó estava algum tipo de pecado cometido, porém ainda não conhecido. Algo semelhante àquilo que é pregado em muitas igrejas neopentecostais. Luiz Alexandre Solano Rossi (2008, p. 75) comenta:
A teologia da retribuição está assumindo a sua forma e assim permanecerá durante o desenrolar de todo o livro de Jó. O bomem pode, sim, ser conduzido a agir por interesse: se ele faz o bem, recebe a felicidade; se pratica o mal, recebe a infelicidade. A vida de fé está a um passo de se transformar em uma relação comercial. A fé pode estar sendo vista a partir de uma prateleira de supermercado, ou seja, Deus se apresentaria como um negociante. A consagrada expressão brasileira do "toma lá, dá cá" se encaixa perfeitamente nessa situação [...] Contra essa teologia da retribuição ele (Jó) tem um único argumento: sua experiência pessoal e sua observação da história, na qual a injustiça permanece impune. Sua observação e intuição são corretas: existem somente homens situados no espaço e no tempo, no sentido de que vivem em uma época precisa em um contexto social, cultural e econômico preciso [...] Vejamos um resumo de seus discursos: a) Elifaz sugere que Jó é um pecador; b) Baldad diz abertamente que seus filhos morreram por seus pecados; c) Sofar assegura a Jó que seu sofrimento é menos do que ele merecia; d) Eliú afirma que o sofrimento tem um caráter pedagógico. Eles representam perfeitamente o modo mais comum de se mascarar a verdadeira fé bíblica: a ideologia, a ortodoxia e o heroísmo convencional.[1]
Pois bem, os léxicos da língua portuguesa trazem os termos trocar e negociar como significados da palavra barganha. Dentro de um contexto comercial, o barganhista é aquele que leva vantagem em uma transação feita. No contexto religioso, barganhar é usar a fé para obter vantagens pessoais. A ideia por trás é a da troca. O devoto não busca a divindade simplesmente com o coração de um adorador, mas com o sentimento de um mercador. Hoje, com a explosão do neopentecostalismo, a velha prática da barganha voltou com força para o meio das igrejas evangélicas. A fé virou uma poderosa moeda de troca e Deus passou a ser visto como um realizador de sonhos narcisísticos.
Mas estes, como animais irracionais, que seguem a natureza, feitos para serem presos e mortos, blasfemando do que não entendem, perecerão na sua corrupção, recebendo o galardão da injustiça; pois que tais homens têm prazer nos deleites cotidianos; nódoas são eles e máculas, deleitando-se em seus enganos, quando se banqueteiam convosco; tendo os olhos cheios de adultério e não cessando de pecar, engodando as almas inconstantes, tendo o coração exercitado na avareza, filhos de maldição; os quais, deixando o caminho direito, erraram seguindo o caminho de Balaão, filho de Beor, que amou o prêmio da injustiça. Mas teve a repreensão da sua transgressão; o mudo jumento, falando com voz humana, impediu a loucura do profeta. (2 Pe 2.12-16)
A história bíblica narra que na rota do êxodo rumo à Terra Prometida, os israelitas entraram em confronto com outras nações. Uma dessas nações eram os moabitas que possuíam Balaque como rei (Nm 22.4). Balaque ouvira falar das conquistas dos hebreus e, temendo ser derrotado por eles, entrou em aliança com os midianitas. O passo seguinte foi alugar os serviços de Balaão, um falso profeta e adivinho da cidade de Petor na Mesopotâmia. O propósito era que este invocasse maldições sobre o povo de Deus (Nm 22.6).
A primeira comitiva enviada por Balaque não obteve êxito, pois Balaão foi proibido por Deus de acompanhar os mensageiros de Balaque (Nm 22.12). O Senhor mostrou a Balaão que ele não poderia amaldiçoar um povo que já era abençoado. O rei dos moabitas não desistiu, e enviou uma caravana com pessoas mais nobres e com promessas de honrar mais ainda e recompensar a Balaão. Balaão cede e vai com os mensageiros, mas prometendo fazer somente aquilo que Deus permitisse. Na trajetória, ele é repreendido quando Deus permite que seu animal de carga fale em voz humana. Balaão instrui o rei Balaque a fazer sete altares e por três vezes tentou amaldiçoar os israelitas, mas em vez de amaldiçoar foi forçado por Deus a abençoar (Nm 24.17).
Vendo-se proibido por Deus de amaldiçoar o povo que Deus mesmo abençoou, Balaão muda de estratégia e passa agora a instruir Balaque a pôr tropeço no caminho do povo de Deus por meio da fornicação e corrupção (Nm 31.16). Balaão não conseguiu amaldiçoar, mas induziu o povo de Deus ao pecado. Os apóstolos Pedro e João mostram que Balaão "amou o prêmio da injustiça" e induziu o povo de Deus a se "contaminar" (2 Pe 2.15; Ap 2.14). O adivinho fez do sagrado um negócio para obter ganhos pessoais.
A história se repete
Por outro lado, a história registra que no século XVI Lutero, até então monge católico, se levantou contra o clero quando este promovia a venda de indulgências. Ele descobriu que a salvação é pela graça e ninguém pode barganhar com Deus (Rm 1.17).[2] Sentindo a necessidade de construir a basílica de São Pedro, a igreja católica empreendeu uma campanha para arrecadar fundos. Foi feita uma barganha com a fé dos devotos que eram instruídos a depositar suas ofertas com a promessa de terem em troca a libertação das almas de parentes que se encontravam no purgatório. Foi esse episódio que fez com que explodisse a Reforma Protestante de 1517. O que levou Lutero a romper com a igreja institucional foi a iluminação que recebeu do Espírito Santo sobre a passagem de Romanos 1.16,17, quando ministrava um curso sobre essa epístola na Universidade de Wittenberg em 1512. De fato, como bem observou C. Leonard Allen (1998, p. 120,121),
ele ficou estupefato: pela fé, não por obras; pela fé, não pela austeridade monástica; pela fé, não pela meticulosidade das confissões [...] munido dessa nova convicção, Lutero dispôs-se a contestar qualquer um que tornasse o amor e a aceitação por parte de Deus dependentes da justiça humana. Ele atacou os negociadores de indulgências por venderem a graça de Deus por preço determinado.[3]
A Reforma provocou mudanças na igreja e na cultura ocidental, mas os séculos passaram e os seus princípios caíram no esquecimento. Novamente nos deparamos no contexto evangélico com a velha prática da barganha. Estamos presenciando um verdadeiro festival de "toma lá dá cá". Há uma rifa da fé, e quem der mais tem a promessa de conseguir muitas bênçãos. Até mesmo a Bíblia que em anos passados foi o instrumento da Reforma está sendo usada como moeda de troca. Em troca das bênçãos de Deus se oferece aos crentes "toalhinhas", "água do rio Jordão", "sabonetes ungidos", etc.
A teologia que fomenta a barganha com Deus tem como um dos seus pressupostos a doutrina do direito legal do crente. Segundo essa crença, ao morrer na cruz, Jesus Cristo conquistou para os crentes muitos direitos.[4]Cabe agora ao cristão se conscientizar da existência deles e reivindicar para si a concretização desses direitos. A posse da bênção passa agora a ser um direito líquido e certo, e não algo que está condicionado à vontade divina. A doutrina do direito legal deu amplos poderes ao crente, a ponto de ele agora poder usá-lo até mesmo como moeda de troca. Acreditam que Deus não tem o direito de dizer não a quem Ele conferiu o direito de exigir. O devoto ganha direitos; Deus perde o seu! Promessas de curas e prosperidade são feitas àqueles que descobriram essa "doutrina" e fazem uso dela.
Já é bastante conhecida entre os crentes a famosa doutrina da Determinação. Não é mais preciso orar, e sim determinar. Deus criou leis espirituais, e o crente deve saber como usar essas leis. Segundo essa exegese, Jesus não teria dito "tudo quando pedirdes em meu nome", mas "tudo o que exigirdes ou determinardes em meu nome" (Jo 14.13). Embora não exista nada no texto grego que corrobore esse ensino, os pregadores da prosperidade insistem que assim deve ser.[5]
Não podemos nos curvar diante da ideia que diz ser Deus obrigado a obedecer a supostas leis que Ele teria criado. Deus é Senhor de tudo e não é refém de lei alguma (Is 55.8).
Cabe dizer aqui que a expiação de Cristo proveu para o cristão a bênção da cura tanto da alma como do corpo (Mt 8.16,17; 1 Pe 2.24). A cruz de Cristo proveu também o direito à vida eterna bem como a provisão para uma vida plena (Jo 10.10). Mas isso não significa dizer que o crente não passará por adversidades, sofrimentos nem tampouco que ele não irá adoecer nunca mais. A redenção total só a teremos com a ressurreição dos corpos (Fp 3.11; 1 Pe 1.3).
Segundo essa teologia, a volta de Jesus só ocorrerá após a igreja haver dominado o mundo e o ter subjugado. Dessa forma, a igreja precisa conquistar todos os espaços possíveis na sociedade a fim de que possa dominar.[6] Diz que isso ainda não ocorreu por faltar consciência de que é isso que Deus quer para a igreja. Os crentes do passado se acomoda- ram por não terem atingido a maturidade suficiente que lhes permitiria a posse dessas verdades. A escatologia é esvaziada quando o seu foco no futuro é ofuscado pelo desejo do domínio agora. A teologia desce do céu e passa a se firmar na terra. Até mesmo Israel perde o seu lugar na profecia bíblica, uma vez que foi suplantado pela igreja, que agora o substituiu.
Recentemente o líder de uma igreja lançou o livro Plano de Poder — Deus, os Cristãos e a Política, onde é possível percebermos alguns dos pressupostos da teologia do domínio. Na página 20, ele escreve que
ainda nos dias atuais, há muitas pessoas que, apesar de confessarem uma fé cristã, não conseguem identificar e assimilar o objetivo de Deus sobre esse aspecto para o seu povo (o projeto de poder político de nação).
Lamentavelmente, esse senso de percepção tem faltado a muitos cristãos, que hoje somam no Brasil uma população de cerca de 40 milhões de pessoas, que vem crescendo a cada dia (esse dado aproximado é referente ao número de evangélicos só no Brasil, e não no mundo). É um enorme potencial, mas essas pessoas, em sua maioria, encontram-se como um gigante adormecido. Elas precisam despertar ao toque da alvorada; mais que isso, ouvir o mesmo que Deus falou para Gideão: "Vai nessa tua força". Em outras palavras: "Emancipem-se!" A emancipação começa com o amadurecimento individual, o inconformismo com certas situações, o consenso em um ideal e a mobilização geral.[7]
O autor ainda argumenta que esse é um projeto de todos os evangélicos e por isso
as questões ideológicas e doutrinárias denominacionais devem ficar à parte; do contrário, deixaremos de cumprir algo que é comum a todos nós cristãos: executar o grande projeto de nação idealizado e pretendido por Deus. Até porque temos percebido, por parte da sociedade, que ser evangélico no Brasil ainda é como ser estrangeiro no Egito no dias de Faraó.[8]
Ele diz em seu livro que o projeto de nação por ele abordado não se trata de um projeto teocrático:
Essa proposta não deve ser vista como um modelo de poder teocrático ou semiteocrático como o Brasil historicamente parece ser. O Estado é laico e deve continuar a ser; do contrário as liberdades ficam ameaçadas e os preconceitos tendem a se estabelecer. Os evangélicos sabem muito bem o que isso significa, ou seja, o que é sofrer preconceitos.
Todavia, por todo o seu livro, ele cita os nomes de José do Egito, Moisés e Daniel como exemplos de homens que fizeram parte do projeto de nação de Deus no passado, e que no atual momento os evangélicos estão inseridos nesse projeto. Dessa forma argumenta:
Quando se trata dos votos dos evangélicos, estamos diante de dois interesses: o interesse dos próprios cristãos em ter representantes genuínos e o interesse de Deus de que seu projeto de nação se conclua. Tudo, exatamente tudo a esse respeito depende dos escolhidos a compor essa nação. Na verdade, desde o início desse intento os entraves nunca forma causados pela ação de Deus, mas sim pelas ações das pessoas designadas a elaborar e concluir esse grande projeto [...] o Brasil tem uma população de aproximadamente 40 milhões de evangélicos. Terminamos aqui chamando a atenção deles para que não deixem que essa potencialidade seja desperdiçada.
O autor diz que não está pregando a existência de um Estado teocrático, mas a ideia de um governo onde os evangélicos dão as cartas está em evidência.
Essa teologia fracassa diante das palavras de Jesus: "O meu Reino não é deste mundo; se o meu Reino fosse deste mundo, lutariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas, agora, o meu Reino não é daqui" (Jo 18.36). Por outro lado, a tese defendida no livro Plano de Poder está fundamentada em uma falsa premissa. Ela ignora a soberania de Deus na história e parte do pressuposto de que a escravidão dos hebreus no Egito poderia ter sido evitada ou abreviada. Já vi pregadores dizer na TV que o cativeiro poderia ter durado apenas um ano! Isso se os hebreus tivessem tido antes consciência do seu grande potencial. Mas uma simples leitura bíblica nos revela que o Senhor já havia revelado a Abraão, quatrocentos anos antes da ida dos hebreus para o Egito, que o cativeiro se estenderia por um período de quatrocentos anos (Gn 15.13). Vale aqui lembrar o que Paulo Romeiro escreveu (1995, p. 164), pois continua atual:
Sim, concordo com todas as letras que precisamos e devemos ter cristãos envolvidos na política e ocupando cargos de liderança que venham a influenciar positivamente a sociedade no seu todo, e não apenas a igreja ou ao grupo que o elegeu. Cabe aqui uma sugestão do sociólogo Paul Freston: "nossa preocupação tem que ser com a promoção do Evangelho e não com a promoção dos evangélicos". Precisamos de candidato evangélico e não de candidato dos evangélicos [...] Robison Cavalcante alertou, com sabedoria, num de seus livros: "Devemos nos precaver das tentações teocráticas: o governo de um Aiatollah protestante, que dividiria o bolo do Estado entre nós". E há ainda outra questão: temo não estarmos anda preparados para atuar de forma saudável numa sociedade pluralista com a nossa, onde o tamanho das pressões exige dos candidatos evangélicos uma postura que muitos deles ainda não possuem.[9]
Por ocasião das eleições de 2010, uma pregadora renovou o anseio de ver no Palácio do Planalto um presidente de confissão evangélica. Em um artigo intitulado de "A Redenção do Brasil Virá pela Igreja", a revista Proclamar traz as palavras dela:
Em 1989, ao terminar um encontro de "Guerreiros", tive uma forte experiência. Havíamos orado pelas eleições daquele ano. Ia me ajoelhando para a oração final, quando recebi uma clara palavra em meu espírito: "Tira os olhos dos candidatos. Nenhum deles é meu escolhido. A redenção do Brasil virá pela igreja". Tive uma visão espiritual do mover de Deus na nação que traria um grande crescimento da igreja e um crescente número de servos Seus ocupando os postos de comando da nação.
Em 2002 recebi uma nova palavra em oração: "Antes que surja um presidente evangélico o PT governará..." Fui tomada de convicção de que chegara a vez do PT e Lula seria eleito. Foi um ano em que fui aos quatro pontos extremos da nação, do Caburaí ao Chuí e do Monte Moa ao Cabo Branco, chorando seus pecados e pedindo perdão a Deus por eles, proclamando que a nação lhe pertence por direito de criação e de herança. Comecei um jejum de três anos por Brasília (comia apenas alimentos crus). No mesmo período o Pai falou-me para investir em Brasília e que a redenção do Brasil passa por Brasília. Segui o chamado "roteiro místico de Brasília", passando por diversas sedes de organizações das trevas, intercedendo pela nação e proclamando o senhorio de Cristo. Começamos também a declarar que Brasília não será mais conhecida como "capital da nova era", mas como "Capital da Adoração" [...] Finalmente, em setembro de 2008, no Monte Carmelo, em Israel, recebi uma palavra do Senhor: "Em 2009 planta-te em Brasília. Não viajarás. Concentra-te em Brasília".
Foi o que fiz, e desta vez devotei-me a estabelecer turnos de adoração, cobrindo o maior número de horas possível, dia e noite, em pura adoração e proclamações das promessas de Deus sobre a nação. Chamei a isto "Ministério Sala do Trono".
Certo dia disse, de passagem: "Pai, disseste que antes que viesse um presidente evangélico o PT governaria. Não vejo um servo Teu no cenário político com perfil de presidente. O PT continuará no poder?" Não recebi qualquer impressão em meu espírito e deixei o assunto de lado.
Um dia, ao abrir o computador, vi a manchete do convite do PV à Senador Marina Silva para uma conversa com vistas a um possível futuro lançamento de seu nome à candidatura presidencial. Naquele momento, foi como se um filme passasse diante de mim e, tomada de surpresa, bradei: "E ela, Pai?". Pensando nos paradoxos, disse: "Isso parece coisa Tua!" Isto é, escolher "as coisas que não são para confundir as que são". Ali recebi em meu coração uma forte responsabilidade de sustentar esta causa em oração e prontifiquei-me a ser a sua intercessora pessoal, convicta de que Deus a tem preparado para um tempo como este [...]
Portanto, venho clamando pelo dia em que o Planalto seja ocupado por alguém verdadeiramente habitado pelo Espírito Santo e sensível à sua voz. Diante dessas experiências narradas em síntese, e outras, venho acompanhando, dede o início, todo o progresso político que envolve a Senadora Marina Silva, orando por ela todo o tempo e com ela em diversas ocasiões. Desde o primeiro momento tive a percepção de que entravamos numa batalha sem precedentes, de que nunca estivemos tão perto do cumprimento de um sonho, mas de que tínhamos de reunir forças, determinação e trabalho em duas direções: oração e mobilização.[10]
É possível que no futuro esse anseio possa se cumprir, mas no mo mento isso é impossível!
Por outro lado, a ideia do domínio não se limita ao poder político mas ao financeiro também. Segundo essa crença, Deus transferirá para igreja toda a riqueza do mundo incrédulo. Em seu livro A Ultima Gran de Transferência de Riquezas, Morris Cerullo (2009, p. 67-70) escreve:
Agora nós precisamos conversar sobre a transferência de riquezas do ímpio para VOCÊ!
A riqueza do pecador é depositada para o justo. — Provérbios 13.22
Você se lembra de que, em um capítulo anterior deste livro, eu lhe contei que um sonho sempre precede uma grande transferência de riqueza?
Nós temos um tremendo sonho — um plano, um objetivo, uma visão do futuro — vindo de Deus.
Nossa visão do futuro é que o mundo inteiro será evangelizado e ouvirá o Evangelho.
Assim como os irmãos de José, os religiosos nos dirão que somos pretensiosos. Eles dirão que não há condição de o nosso sonho se transformar em realidade. Mas estamos firmes por causa do que Deus nos contou. Ele nos contou que você e eu levaremos o Evangelho até os confins da terra.
Não importa como estão suas circunstâncias atuais. Não interessa o que nos aconteça que possa aparentemente no impedir. Deus nos deu um sonho! E, como José, conservaremos esse sonho precioso bem junto ao nosso coração. Nós perseveraremos mesmo face à adversidade e à perseguição.
Você se lembra de que eu disse que uma revelação deve preceder uma grande transferência de riqueza? Deus nos revelou como Ele abençoará o mundo inteiro com o Evangelho. Nós compartilhamos esta revelação juntos, você e eu. Deus usará você e eu para alcançarmos este mundo, juntos!
Assim como Deus revelou a Moisés o Seu poder para livrar os hebreus, Ele nos deu uma revelação do Seu poder para livrar o mundo inteiro do pecado!
Você se lembra de que disse antes que o único jeito para receber algo de Deus era fixar os seus olhos no seu reino? Nossos olhos estão focados conscientemente nEle e no Seu reino! Verdadeiramente, as palavras de Jesus estão gravadas em nosso coração:
Venha o teu Reino. Seja feita a tua vontade, tanto na terra como no céu.
- Mateus 6.10
Agora é tempo da grande transferência final de riquezas. Creio que Deus está se preparando para liberar o maior fluxo de riquezas de um lugar para outro na história da humanidade!
Agora é o tempo para a riqueza dos ímpios ser transferida para os justos! Não fique confuso. Deus não vai apenas deixar cair uma sacola de dinheiro no seu colo. Ele é muito mais criativo do que isso.
Os planos de Deus para você têm a ver com o seu caráter e a maneira como você pensa. Deus está se preparando para lançar um fluxo de poder criativo aos Seus santos, para começar a liberar a última grande transferência de riquezas!
Eis o que diz a Bíblia:
Antes, te lembrarás do Senhor, teu Deus, que ele é o que te dá forças para adquirires poder, para confirmar o seu concerto, que jurou a teus pais, como se vê neste dia.
- Deuteronômio 8.18
Deus está concedendo ao Seu povo o PODER para conseguir riqueza. Ele está remodelando a própria maneira de esse povo pensar — a própria maneira de conduzir os negócios. Deus está infundindo PODER no Seu povo!
Por quê? Não é só para que as pessoas vivam em alguma mansão luxuosa, nem para que possam dirigir carros de último tipo.
Deus está DRENANDO as riquezas do mundo para a Igreja e INUN- DANDO-A, a fim de que ela se levante em poder para a colheita do tempo final! [...]
[...] Muitos não foram abençoados financeiramente porque Deus sabe que eles confiaram no dinheiro, não em Deus, para suprir suas necessidades.
Deus não está procurando pessoas cujo objetivo seja enriquecer. Já existem pessoas suficientes com esse propósito no mundo. Deus está procurando pessoas que queiram seguir a justiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência e a mansidão. Deus está procurando pessoas com CARATER![11]
Estas palavras de Cerullo necessitam serem analisadas. Primeiramente devo dizer que também acredito que o mundo inteiro precisa ser evangelizado e que a igreja não deve medir esforços para que esse fim seja alcançado. Inclusive investindo pesado em missões. Mas tenho dificuldade de ver isso acontecendo por meio de uma transferência de riqueza do ímpio para o crente. O maior exemplo de esforço evangelístico e missionário que se tem conhecimento na história da igreja foi feita pelos apóstolos, especialmente Paulo. Não há nada no Novo Testamento dizendo que Deus transferiu os bens do mundo para a igreja a fim de que esta pudesse evangelizar os perdidos. O exemplo de transferência de riquezas deveria ser fundamentado em Paulo, e não em Moisés. Paulo foi um gigante espiritual e fez muito por missões, mas o seu testemunho foi de que Deus usou os recursos dos próprios crentes para suprir suas carências e apoiar o seu trabalho missionário (Fp 4.16). Não há nada no Novo Testamento mostrando que Deus tomou do mundo incrédulo para dar a igreja e nem tampouco sugerindo que Ele o faria isso no futuro.
O perigo de barganhar com Deus
O perigo de ter um Deus imanente, mas não transcendente
A imanência é um dos atributos de Deus e se refere à presença de Deus na criação, embora Ele não possa ser confundido com ela (2 Co 6.16). Podemos ver Deus nas coisas criadas (SI 19.1), mas isso não significa dizer que tudo é Deus, como, por exemplo, faz a doutrina panteísta. Por outro lado, a doutrina da transcendência diz que Deus de fato está nas coisas criadas, mas não pode ser confundido com ela (Rm 9.20). Deus é transcendente, isto é, está acima das coisas as quais criou (Is 55.8,9). Em outras palavras, Deus não é uma parte do mundo, nem tampouco o mundo é divino. Deus existe independentemente das coisas criadas.[12]
A doutrina da barganha atropela esses princípios teológicos quando afirma a imanência de Deus, isto é, Deus de fato está aqui em nosso meio, mas ao mesmo tempo nega a sua transcendência quando faz desaparecer a sua soberania. Deus passa a se comportar como um mero mortal. Dentro dessa concepção, a ação de Deus se assemelha à de um garçom que vive para servir seus clientes sempre exigentes.
O perigo de transformar o sujeito em objeto
A teologia da barganha tem a rara capacidade de transformar aquilo que é sujeito em mero objeto. Transforma gente em mercadoria e a fé em um grande negócio. O próprio ser humano é coisificado e transformado em uma mercadoria. Zygmunt Bauman (2010, p. 33) descreve a cultura de hoje como
feita de ofertas, não de normas. Como observou Pierre Boudieu, a cultura vive de sedução, não de regulamentação; de relações públicas, não de controle policial; da criação de novas necessidades/ desejos/ exigências, não de coerção. Essa nossa sociedade é uma sociedade de consumidores.[13]
Observa-se hoje que muitos pregadores da mídia e fora dela mantêm seus ministérios não para a glória de Deus, mas para atenderem a uma demanda do mercado. E um evangelho que procura satisfazer vontades, e não necessidades. O culto que à luz da Bíblia deve ser em torno de Deus, o nosso objeto de culto, passa agora ser agora o culto ao objeto. Isso quer dizer que os bens materiais passam a ser a razão de viver das pessoas. E a adoração à criatura em vez do Criador (Rm 1.24).
A fetichização dos símbolos religiosos
Simples objetos passam agora a ter um grande "poder mágico". A água não passa de uma combinação de elementos químicos em sua fórmula, mas se ela foi retirada do rio Jordão e consagrada sete sextas-feiras na campanha da prosperidade, então ela agora é "muito forte" para a operação de um milagre. Uma toalha não passa de uma pequena peça de pano, mas se ela tiver enxugado o rosto do homem de Deus, então agora ela está energizada e pode fazer coisas inimagináveis. O dízimo e as ofertas são reconhecidos como deveres para os cristãos, mas se eles forem enviados para saldar as dívidas do programa de televisão que ameaça a todo instante sair do ar, então eles ganham o status de semente que foi plantada. A promessa é que após certo tempo se converterá em grandes bênçãos para quem o enviou. Essa prática assemelha-se a velha idolatria que fazia um simples pedaço de pau ganhar o status de deus (Is 44.14-17).
O perigo da espiritualidade fundamentada em técnicas, e não em relacionamentos
A teologia da barganha tem como efeito colateral a transformação do relacionamento com Deus em algo meramente técnico. Para que gastar horas buscando a Deus em oração se é possível encurtar o caminho por meio de fórmulas de fé que têm o poder de colocar Deus na parede? A fé reduz-se a uma fórmula e Deus a um bem de consumo. O relacionamento com Deus deixa de existir e é substituído por um jogo de interesses em que se objetiva levar vantagem em tudo. Esse ensino nefasto tem o mérito de transformar a vida cristã em algo meramente superficial. Aquilo que Paulo ensinou sobre a piedade (1 Tm 4.7) perde a sua razão de ser para se tornar uma mera formalidade.
Não podemos cair na tentação de querer barganhar com Deus. Isso por uma razão bastante simples: não temos nada de real valor para propor em troca. O profeta Isaías chegou a afirmar que até os nossos mais altos atos de justiça não passam de trapos de imundície diante dEle (Is 64.6). Para sermos abençoados, necessitamos dEle, que em nenhum momento se nega a nos abençoar, desde que demonstremos a atitude correta diante de sua face (2 Cr 7.14). [1] ROSSI, Luiz Alexandre Solano. Jesus Vai ao McDonald's — Teologia e Sociedade de Consumo. São Paulo: Fonte Editorial, 2008.
[2] Alister McGrath observa que "um elemento fundamental da vocação reformadora de Lutero foi a convicção de que não eram os princípios morais da igreja cristã que precisavam de uma reforma, mas sua Teologia" (MCGRATH, Alister. As Origens Intelectuais da Reforma. São Paulo: Editora Cultura Cristã, p. 66).
[3] Allen, C. Leonard & HUGHES, Richard T. Raízes dã Restauração: A Gênese Histórica do Conceito de Volta à Bíblia. São Paulo: Editora Vida Cristã, 1998.
[4] O filósofo Jostein Gaarder, autor do best seller O Mundo de Sofia, em uma entrevista dada à TV Cultura, disse que "hoje se fala muito em direitos humanos, mas já é hora de se criar uma declaração universal dos deveres humanos".
[5] Veja uma exegese aprofundada sobre esse assunto no livro : Defendendo o Verdadeiro Evangelho (Rio de Janeiro: CPAD, 2009).
[6] E preocupante o número cada vez maior de pastores que trocam a vocação pastoral pela parlamentar. Sem dúvida, Deus tem escolhido crentes para ocupar diferentes lugares na sociedade, inclusive na esfera política. Todavia, Ele escolheu os pastores para "aperfeiçoar os santos" (Ef 4.12), isto é, para pastorearem! Será que vale a pena trocar o púlpito pela tribuna; o sermão pelo discurso; a Bíblia pela Constituição; o cajado pelo palanque e a Igreja pelo Congresso? Isso parece estar na contramão do ensino de Jesus (Mt 9.37,38) e do que Paulo ensinou a Timóteo (2 Tm 2.4). Ignora também o parecer apostólico em Atos 6.4. Seria muito mais interessante vermos crentes deixando a política partidária para abraçar a chamada ministerial, e não obreiros deixarem a chamada pastoral para abraçar a vocação parlamentar. A história da Igreja está aí para provar que a química resultante da união entre Igreja e Estado tem demonstrado ser extremamente danosa. Por outro lado, quando isso acontece se cristianizam os métodos da política secular, o que Maquiavel denominou de "os fins justificam os meios", acreditando-se que eles são adaptáveis à realidade institucional da igreja.
[8] Idem, p. 52.
[9] ROMEIRO, Paulo. Evangélicos em Crise — Decadência Doutrinária na Igreja Brasileira. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1995.
[11] CERULLO, Morris. A Última Grande Transferência de Riquezas. Rio de Janeiro: Editora Central Gospel, 2009.
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