quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Aula 05

 AS BÊNÇÃOS DE ISRAEL E O QUE CABE À IGREJA


Quando nos referimos às bênçãos que foram prometidas ao Antigo Israel (Dt 28.1-14), logo queremos saber se elas se aplicam à igreja hoje. Que bênçãos foram prometidas a Is­rael e o que cabe ao povo de Deus hoje? Kenneth E. Hagin, considerado por muitos como o pai da teologia da prosperidade, não tem dúvidas de que todas as bênçãos materiais prometidas ao povo de Deus debaixo da Antiga Aliança pertencem também ao povo de Deus debaixo da Nova Aliança. Em seu livro Chaves Bíblicas para a Prosperi­dade Financeira (2001, p. 20-24), após citar o texto de Deuteronômio 28.1-14, ele escreveu:

Várias pessoas questionam: "Bem, Deus disse isso apenas para Israel. As bênçãos por obedecer a Lei de Deus e seus mandamentos não se apli­cam a nós".
Lembre-se de que Deus disse: Quem dera que eles tivessem tal coração que me temessem e guardassem todos os meus mandamentos todos os dias, para que bem lhes fosse a eles e aos seus filhos, para sempre (Dt 5.29).


As promessas foram feitas realmente a Israel, baseadas na Antiga Aliança, mas observe o que a Nova Aliança estabelece acerca de cumprir ou obedecer às leis e aos mandamentos de Deus.

Romanos 13.8
A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor com que vos ameis uns aos outros; porque quem ama aos outros cumpriu a lei.

Gálatas 5.14
Porque toda a lei se cumpre numa só palavra, nesta: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.

Atente para o que foi dito acima; não deixe esse mandamento fora de sua vida. Israel tinha de guardar os mandamentos de Deus para poder prosperar; mas, sob a Nova Aliança, também nós temos um mandamento a guardar, a fim de prosperarmos. E o mandamento ou lei do amor.
Observe que Paulo, em suas cartas às igrejas, dirigia-se aos gentios, não judeus; por isso, entende-se que o apóstolo não falava apenas para israelitas. Assim sendo, se amarmos, cumprimos a Lei.
Romanos 13.9,10

Com efeito: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não darás falso testemunho, não cobiçaras, e, se há algum outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. O amor não faz mal ao próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor.

Voltando a Gálatas 3, depreende-se o porquê de não estarmos debaixo da maldição da Lei:

Gálatas 3.13,14,29

Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós, porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro; para que a bênção de Abraão chegasse aos gentios por Jesus Cristo e para que, pela fé, nós recebamos a promessa do Espírito [...] E, se sois de Cris­to, então, sois descendência de Abraão e herdeiros conforme a promessa.

Qual foi a promessa feita a Abraão? O que Deus lhe prometera?
Essa promessa era de natureza tríplice. Em primeiro lugar, era uma bênção espiritual. Em segundo, uma bênção física. Em terceiro, uma bên­ção financeira e material.
Se os israelitas, debaixo da Velha Aliança, recebiam as bênçãos divinas por guardarem a lei, assim também nós, debaixo da Nova Aliança, se andarmos em amor, teremos guardado a lei. E as bênçãos também virão sobre nossa vida [...]
[...] Como já mencionei, algumas pessoas afirmam que essa história de prosperidade é coisa do Antigo Testamento. Mas, em vários trechos das Escrituras, comprova-se que as bênçãos de Abraão, inclusive a de prosperidade, são também para nós, que estamos subordinados à Nova Aliança.

Não há dúvida de que a teologia da prosperidade, tal qual a ensinada por Hagin no texto citado, foi aceita sem questionamento por dezenas de igrejas, especialmente as neopentecostais. Voltaremos a comentar sobre essa interpretação de Hagin ainda nesse capítulo. Mas o fato é que pode­mos constatar que há dezenas de "igrejas" prometendo por aí bênçãos de prosperidade ao povo. Quase todas essas promessas são fundamentadas em textos isolados ou mal interpretados das Escrituras do Antigo Testa­mento.[1] Será que precisamos depender somente do Antigo Testamento para sabermos sobre as bênçãos de Deus para o seu povo? Essa pergunta se torna pertinente quando se percebe claramente que a ponte exegética que Hagin tenta estabelecer entre as Escrituras do Antigo Testamento e do Novo Testamento apresenta problemas insuperáveis.
Mas será que o Novo Testamento não contém bênção nenhuma para o povo de Deus? O Deus do Antigo Pacto não é o mesmo do Novo? Sem dúvida alguma. O problema ocorre quando não se procura enxergar as es­feras de competências de cada uma das Alianças. Trata-se de um só povo, mas com promessas de bênçãos diferenciadas. Neste capítulo, procurare­mos mostrar através da Bíblia o que foi prometido a Israel e o que cabe à igreja. Para detalharmos isso de maneira mais pedagógica, mostraremos as bênçãos sob seus aspectos: pessoal, nacional e universal.

Abraão e o aspecto pessoal da bênção

Deus trata com o "indivíduo"Abraão
O que antes pertenceu aos judeus e depois foi dado aos cristãos foi prometido primeiramente a Abraão (Gn.12.1).[2] Sem dúvida, ele foi um homem abençoado e as bênçãos que ele contemplou se destinavam tanto à sua vida pessoal como também ao seu povo. A Bíblia revela que Deus se interessa pelo ser humano como pessoa. Ele leva em conta a nossa in­dividualidade. Com Abraão aprendemos que Deus trata com indivíduos, e não apenas com as massas. Outro aspecto importante a ser lembrado é que as bênçãos contemplavam o presente, mas também apontavam para um futuro. Eram transitórias, mas também apontavam para algo perma­nente. As bênçãos, portanto, eram tanto temporais como eternas. As bên­çãos temporais eram aquelas que diziam respeito à realidade presente ou pessoal do patriarca; por outro lado, as bênçãos eternas se referem àquelas que diziam respeito às promessas com cumprimento futuro.
Quando o Senhor chamou Abraão de Ur dos Caldeus, ele se tornou um nômade (Gn 12.1,2). Nessa jornada, o homem Abraão perdeu a sua pátria de origem, mas recebeu a promessa de ser uma nova nação (Gnl2.2); perdeu amigos, mas recebeu a promessa de receber reconhe­cimento (Gn 12.2); passou a ser um "errante" pelo deserto, mas recebeu a promessa de proteção divina (Gn 12.3); perdeu o aconchego da famí­lia, mas recebeu a promessa de vir a ser uma bênção para todas as nações (Gn 12.3). Esses relatos nos revelam a soberania de Deus na chamada de Abraão e a sua bondade em abençoar ao patriarca em resposta à sua obediência (Gn 13.2; 24.34,35). Abraão não partiu de Ur dos Caldeus à procura de bênçãos materiais, financeiras e nem tampouco de uma vida saudável, mas em resposta ao chamado divino para sua vida. As bênçãos de prosperidade foram uma consequência disso (Gn 24.35; 25.8).
Por outro lado, as bênçãos têm também seu lado social. De acordo com o texto bíblico, Abraão gozava de um bom relacionamento com aqueles no meio dos quais convivia. "Ouve-nos, meu senhor: príncipe de Deus és no meio de nós; enterra o teu morto na mais escolhida de nossas sepulturas; nenhum de nós te vedará a sua sepultura, para enterrares o teu morto" (Gn 23.6). Abraão não somente possuía bênçãos materiais, mas também sociais. Dentro dessas bênçãos sociais, podemos citar o reconhe­cimento que o patriarca alcançou ao longo da história, não apenas bíbli­ca, mas também secular. Abraão é reconhecido como um grande líder tanto por judeus como por cristãos e mulçumanos. Não adianta somente possuir bênçãos materiais se aqueles que estão ao nosso redor não forem abençoados de alguma forma em consequência disso.
Warren W. Wiersbe (2006, p. 144) vê nessa passagem bíblica o testemunho do patriarca e escreve:

Os homens de Canaã chamava Abraão de "príncipe de Deus" (Gn 23.6). Ele dava um bom testemunho em meio a esses homens, e eles o respeita­vam. Apesar de o mundo não ser o nosso lar, como peregrinos e estrangei­ros, devemos ter o cuidado de dar bom testemunho para os de fora (1 Ts 4.12; Cl 4.5; 1 Pe 2.1 lss). Esses heteus não adoravam o Deus de Abraão, mas respeitavam o patriarca e sua fé. Na verdade, ofereceram a ele que usas­se uma das sepulturas deles (Gn 23.6). Mas Abraão recusou a oferta.
E maravilhoso quando num momento de profunda tristeza o filho de Deus dá forte testemunho aos perdidos. Há uma tristeza natural que todos esperam que manifestemos; porém há também a graça sobrenatural que Deus concede, de modo que possamos nos alegrar em meio à triste­za. Aqueles que não são salvos poderão notar a diferença, e isso nos dá a oportunidade de compartilhar as boas novas do evangelho.
Quando se faz referência às bênçãos do Antigo Israel como herança de todos os filhos de Deus, alguns fatos não são vistos ou levados em conta. Por exemplo, havia bênçãos dadas a Israel que eram de caráter puramente nacio­nal, isto é, diziam respeito a eles como povo. Por outro lado, havia aquelas de caráter universal e espiritual, que apontavam para um futuro distante.

O alcance geográfico das bênçãos

Como um povo com identidade própria, Israel necessitava de uma terra física para habitar. Na chamada feita a Abraão, o Senhor prometeu fazer dele uma grande nação (Gn 12.2) e dar a terra de Canaã como possessão a seus descendentes (Gn 17.8). Esse aspecto local ou geográfi­co da bênção é muito importante na história do povo judeu. A terra de Canaã foi prometida a Abraão e aos seus descendentes. Esse fato é visto na lista de bênçãos prometidas ao Israel histórico: "... e te abençoará na terra que te der o Senhor, teu Deus" (Dt 28.8). Essa era uma bênção nacional. A terra pertencia a eles. Esse fato pode ser comprovado pela história, que mostra que muito embora Israel tenha sido despatriado de sua terra por inúmeras vezes, Deus cumpriu por diversas vezes a pro­messa de fazer os judeus retornarem à terra santa.

O alcance político das bênçãos

Na lista de bênçãos prometidas ao Israel nação ou histórico, ou ainda étnico, encontramos aquelas de natureza política. Elas diziam respeito ao convívio com nações vizinhas. Primeiramente vemos Israel convivendo em um meio hostil, e que por esse fato dependia da proteção divina: "O Senhor entregará os teus inimigos que se levantarem contra ti feridos diante de ti: por um caminho sairão contra ti, mas por sete caminhos fugirão diante de ti" (Dt 28.7). Sem a proteção divina, Israel seria incapaz de sobreviver como nação em meio àqueles que os hostilizam.[3] Por outro lado, encontramos I srael recebendo reconhecimento dos povos vizinhos em decorrência das bênçãos do Senhor. Esse temor era traduzido no sen­timento de respeito que eles inspiravam: "E todos os povos da terra verão que és chamado pelo nome do Senhor e terão temor de ti" (Dt 28.10).

O alcance global das bênçãos

É fácil percebermos que nem todas as bênçãos prometidas a Israel por intermédio dos patriarcas podem ser traduzidas em bênçãos lo­cais, materiais e pessoais. Havia também aquelas de caráter universal e espiritual. Elas teriam um caráter coletivo e apontavam para um futuro ainda muito distante. Quando o Senhor diz a Abraão, por exemplo, que "em ti serão benditas todas as famílias da terra" (Gn 12.3), a referência é
a salvação por intermédio da pessoa bendita de Jesus Cristo (G1 3.8).[4] Essa promessa se cumpriu muitos séculos de­pois do patriarca. Essas bênçãos, embora contempladas por Abraão, não foram desfrutadas por ele. Jesus Cristo afirmou: "Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia, e viu-o, e se alegrou" (Jo 8.56). Abraão "viu" os dias do Messias, mas não os vivenciou. A bênção era para sua posteridade. O dom do Espírito Santo, por exemplo, é uma dessas bênçãos na Antiga Aliança que só pôde ser vivida na sua plenitude por crentes debaixo do Novo Pacto.

                         As bênçãos sobre a igreja são de caráter universal

O transitório e o eterno

Já vimos que as bênçãos na Antiga Aliança eram de natureza ma­terial, social e também espiritual. Havia bênçãos que diziam respeito à vida pessoal do patriarca Abraão, como também bênçãos destinadas ao Israel nação. Em todos os casos, as bênçãos sob a Antiga Aliança fa­zem sobressair seu aspecto temporal ou transitório em contraste com aquilo que é prometido para a Nova Aliança, que é eterno e perma­nente (Hb 8.13; 10.34). Na Nova Aliança, as bênçãos são atemporais, isto é, são eternas. Aquilo que era apenas prometido na Antiga Aliança tem seu pleno cumprimento na Nova. O transitório, efêmero e tem­poral pertencia ao Antigo Pacto; o permanente, eterno e atemporal pertence ao Novo Pacto (2 Co 3.1-11). Os biblicistas observam que por intermédio de Moisés a Antiga Aliança representava uma orga­nização que era apenas um "tipo"; "temporária", "pedagógica". Isso significa dizer que as bênçãos em sua plenitude estavam reservadas para a Nova Aliança.

O material e o espiritual

O que pertencia a Israel que pode ser desfrutado pela Igreja? Paulo escreveu aos Efésios que Cristo nos "abençoou com toda sorte de bên­çãos espirituais" (Ef 1.3). Como já foi dito, a Antiga Aliança enfatiza­va o aspecto material, local e transitório das bênçãos; a Nova Aliança sublinha seu lado espiritual, universal e eterno. E evidente que aqui­lo que é eterno pode englobar o transitório, assim como algo coletivo pode contemplar algo particular ou individual. Um ônibus que conduz quarenta pessoas, evidentemente comporta a lotação de um automóvel que é de cinco. Dizendo isso de outra forma: As promessas espirituais atendem também as nossas necessidades físicas ou materiais, embora seu real propósito esteja muito além dessa dimensão. O que deve ser destacado é que o material jamais deve sobrepor-se ao espiritual. Por que querer a terra se Ele já nos deu o céu? Querer inverter a ordem das coisas é incorrer em erro! As bênçãos listadas sob a Antiga Aliança, por exemplo, eram nominadas como sendo bois, jumentos, ovelhas, prata e ouro (Gn 24.35; Jó 1.1-3); por outro lado, as bênçãos listadas na Nova Aliança são nominadas como sendo justificação (Gl 2.16; 2.21); herança espiritual de filho de Deus (Rm 8.14; Gl 3.18); vida (Gl 3.21; Rm 8.2); liberdade (Gl 4.8-10; G1 5.1) e o dom do Espírito Santo (Gl 3.2). Isso demonstra que as bênçãos da Nova Aliança se sobrepõem as da Antiga, e que são superiores e exclusivas para os crentes do Novo Pacto (Hb 8.6).7
É exatamente nesse ponto que a interpretação sobre a prosperidade bíbli­ca defendida por Kenneth Hagin apresenta problemas de natureza exegética insuperáveis. Todo o seu edifício hermenêutico sobre a prosperidade bíblica se firma sobre o argumento de que temos direito às bênçãos de Abraão pelo fato de que Cristo nos resgatou da maldição da Lei. No seu entendimento, ao nos resgatar da maldição da Lei, Cristo nos tornou aptos a sermos partici­pantes na bênção de Abraão, que na sua exegese é de natureza tríplice:

A.     Bênção espiritual;
B.     Bênção física;
C.     Bênção material e financeira.[5]
D.    O que significa, pois, a bênção de Abraão?

Não há nenhuma dúvida entre os intérpretes de que quando Paulo afirma que Cristo nos resgatou da maldição da Lei, ele está se referindo à justificação pela fé e ao recebimento do dom do Espírito Santo. Ao comentar essa passagem bíblica, o expositor bíblico James Montgomery Boice (1976, p. 460), diz:

Os dois propósitos são estes: primeiro, que a bênção de Abraão (Paulo está se referindo à justificação como em w. 8,9) pudesse vir aos gentios bem como também aos judeus, e segundo, que todos pudessem receber juntos o dom do Espírito Santo. As últimas duas cláusulas, declarando o propósito para o qual Cristo resgatou os homens da maldição, são coordenadas. Quer dizer, elas ex­pressam a mesma realidade de duas perspectivas. Ambas retornam para o ponto do qual Paulo começou argumentando — isto é, aquela bênção de Abraão, vista hoje na recepção do Espírito Santo, é recebida através da fé somente.

A "maldição da Lei", portanto, não se restringe apenas à passagem de Deuteronômio 28, mas a toda Lei dada por intermédio de Moisés. O ar­gumento de Paulo era que ninguém podia se justificar pela Lei, visto que ela possuía apenas um papel pedagógico de apontar para Cristo. As bên­çãos de justificação, tanto para judeus como para gentios, e o consequente recebimento da promessa do Espírito Santo só seriam possíveis por meio da morte de Cristo Jesus, que se tornou maldição em nosso lugar.
Ao comentar sobre as falhas doutrinárias na interpretação de Gálatas 3.13,14,29, feitas por Kenneth Hagin, John Walker (2002, p. 203,204), argumenta que

Hagin faz uma exegese surpreendente desta passagem. Em síntese, o que ele diz é o seguinte: "Nós somos de Cristo; portanto, somos a semente de Abraão. Se somos a semente de Abraão, então somos herdeiros de todas as promessas que foram feitas a Abraão. E estamos livres de todas as mal­dições da lei". Cita então Deuteronômio 28, que enumera as bênçãos e maldições sobre aqueles que obedecem ou desobedecem à lei e sintetiza as maldições como sendo pobreza, doença e morte espiritual, e as bênçãos como sendo prosperidade, saúde e vida espiritual. Depois conclui que o crente, por ser filho de Abraão pela fé, pode reivindicar prosperidade, saúde e vida espiritual. Ele não faz nenhuma referência à obra do Espí­rito Santo [...] Consideramos que há um grande erro nesta exegese, que talvez seja a abertura principal usada pelo inimigo para produzir certos excessos de doutrina e prática no movimento da fé, e que são as causas desta controvérsia feroz. O erro crucial é a interpretação de Gálatas 3.14: "Que a bênção de Abraão chegasse aos gentios, em Jesus Cristo, a fim de que recebêssemos pela fé o Espírito prometido". Cremos que a bênção de Abraão que nós gentios recebemos através de Jesus Cristo não são riquezas materiais, mas o Espírito Santo. Cremos que é uma perversão perniciosa dos ensinamentos de Jesus Cristo e dos seus apóstolos dizer que na Nova Aliança podemos reivindicar as bênçãos materiais daqueles que obede­ciam à lei".[6]
Todos os expositores bíblicos concordam que a bênção de Abraão é uma referência clara ao dom do Espírito Santo que havia sido prometi­do. Paulo já havia feito uma clara alusão a esse fato, quando escreveu:

Só quisera saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé? Sois vós tão insensatos que, tendo começado pelo Es­pírito, acabeis agora pela carne? Será em vão que tenhais padecido tanto? Se é que isso também foi em vão. Aquele, pois, que vos dá o Espírito e que opera maravilhas entre vós o faz pelas obras da lei ou pela pregação da fé? E o caso de Abraão, que creu em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça. Sabei, pois, que os que são da fé são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura previsto que Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em ti. De sorte que os que são da fé são benditos com o crente Abraão. (G1 3.2-9)
Willian Hendriksen (2009, p.159), ao comentar a passagem de Gálatas 3.14, põe isso em evidência:

Entre todas as pedras preciosas que resplandecem na coroa da Bênção de Abraão (a bênção que ele recebeu), essa, com toda certeza, era uma das mais preciosas, ou seja, que por meio dele — mais precisamente de seu descendente, o Messias — uma multidão inumerável seria abençoa­da. Por intermédio de Jesus Cristo e de seu Espírito (lit. "o Espírito da Promessa", porém isto significa "o Espírito Prometido", cf. At 1.4,5; Ef 1.13), o rio da graça (cf. Ez 47.3-5; SI 46.4; Ap 22.1,2) prosseguiria seu curso sem fim, abençoando primeiramente aos judeus, mas em seguida aos homens de toda raça, quer judeus quer gentios. Sim, o rio da graça fluiria, pleno, abundante, refrescante, frutificante e gratuito para todos. E para receber essa bênção, ou seja, a concretização da promessa — "Eu se­rei o seu Deus" —, tudo quanto de que necessitamos é da fé, da confiança no Cristo crucificado, pois foi no Calvário que as chamas da ira de Deus esgotaram toda sua fúria, e portanto os crentes de todas as tribos, línguas, povos e nações são salvos para todo o sempre![7]
Podemos concluir então que Deus não tem bênçãos para nós hoje e que a pobreza deve ser idealizada, e, ainda, que o Novo Testamento condena o crente possuir bens ou desfrutar saúde? Não, não é isso. A Es­critura mostra que havia crentes na Igreja Primitiva que possuíam bens, eram influentes (Lc 19.2; Jo 3.1; 19.39) e saudáveis (3 Jo 2), mas não se deve esquecer que na igreja havia também crentes carentes e ainda outros que adoeceram (G12.20; 1 Co 11.22; 2 Tm 4.20; 1 Tm 5.23).
O expositor bíblico M. J. Evans (2009. p. 611) põe em evidência esse princípio bíblico da superioridade das bênçãos do Novo Testamen­to sobre as maldições do Antigo Testamento quando diz:

O ensino do NT reflete a perspectiva do AT sobre o caráter relacional da bênção e da maldição. A bênção final e mais importante é a de per­tencer a Deus, sendo parte de seu povo, membro da sua família. A única verdadeira maldição é estar fora do relacionamento com Deus, fora da comunidade da bênção. Nos contextos temporais, tanto as bênçãos quan­to as maldições podem ser descritas em termos materiais, mas a dimensão material é secundária. Embora coisas ruins possam acontecer, e de fato acontecem, a quem pertence ao Reino, quem faz parte do povo de Deus não pode estar debaixo da maldição; pelo contrário, é abençoado.[8]
Escrevendo aos filipenses, o apóstolo Paulo afirmou: "Mas a nossa cidade está nos céus, donde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo" (Fp 3.20). Embora o cristão não tenha como evitar o lado "temporal" da vida — isto é, necessita dos bens daqui para viver —, seu olhar deve estar na sua redenção futura. Jesus sabia da sedução que os bens terrenos podem exercer sobre nós e por isso advertiu: "Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração" (Mt 6.21).

Referencias 


[1]   O expositor bíblico Warren W. Wiersbe vai para o extremo oposto da teologia da prosperidade quando comenta Dt 28.1-14: "Deus não prometeu riqueza material a seus filhos espirituais, mas abençoou sua igreja com toda sorte de bênção espiritual' (Ef 1.3) e, em Cristo, elevou-nos 'sobre todas as coisas' (Ef 1.20-23). Não devemos aplicar à Igreja as promessas da aliança que Deus fez com Israel' (WIERSBE, War­ren W. Comentário Bíblico Expositivo Pentateuco. Rio de Janeiro: Editora Central Gospel, 2008, p. 585).
[2]   Stanley Ellisen comenta: "A vida de Abraão é uma história da dádiva da aliança. Numa série de seis encontros com o patriarca, Javé (Deus da Aliança): 1) estabeleceu a aliança (12.1-3); 2) confirmou-a (12.7); 3) ampliou-a (13.14-17); 4) ratificou-a num ritual (15.8-18); 5) simbolizou-a (17.10); 6) acrescentou seu juramento (22.16-18). Garantida por Deus, não podia ser anulada pelas falhas de Abraão ou de sua descen­dência" (Conheça Melhor o Antigo Testamento. Editora Vida, 2007).
[3]  William S. Lasor destaca essa ação de Deus na história de Israel como um ato da soberania de Deus: "Deus tirou Israel do Egito apesar do poder e dos estratagemas do faraó. Deus conduziu Israel pelo deserto, apesar da incredulidade da maioria. Deus lhe deu vitória sobre reis e nações que tentaram barrar seu caminho. Deus transformou as maldições de Balaão em bênçãos. E apesar de o povo não crer de modo algum que conseguiria entrar na terra de Canaã, Deus o levou à margem do Jordão e estava dando instruções para quando entrassem na terra" (LASOR, William S. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova, 1999).
[4]   Paul R. House observa que: "A noção de todas as nações serem abençoadas por Abrão sela o plano divino para a renovação dos seres humanos em todo o mundo. Todas as pessoas estão infectadas. Agora Deus escolhe um individuo por meio de quem ele pode revelar seu plano. A fé de Abrão pode substituir as dúvidas de Adão e Eva acerca dos mandamentos de Deus, pode oferecer uma compreensão mais aprofundada de como a cabeça do maligno será esmagada e pode reverter o orgulho e caos internacionais que cercam o episódio de Babel" (HOUSE, Paul R. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Editora Vida, 2005).
[5]   Esta mesma interpretação é apresentada por Kenneth E. Hagin em seu livro Redimidos da
[6] WALKER, John. A Igreja do Século XX—A História que não Foi Contada. São Paulo: Editora Atos, 2002. Walker ainda destaca que "apesar de Kenneth Hagin ser um homem humilde com um estilo de vida simples, alguns ministérios que levam esta mensagem que é da vontade de Deus ser rico têm assu­mido um escandaloso estilo de vida luxuosa, o qual se tornou em grande tropeço ao evangelho de Jesus Cristo. Cremos que Hagin é um consagrado homem de Deus, mas uma falha grave em sua doutrina básica tem produzido escândalos e controvérsias. Só podemos concluir que "um inimigo tem feito isso" (Mt 13.28). Apesar de Hagin nunca ter tido essa intenção, o inimigo confundiu-o na palavra a fim de produzir prejuízo à causa de Cristo e à restauração da igreja" (idem, p. 204).
[7]   HENDRIKSEN, William. Gálatas — Comentário do Novo Testamento. São Paulo: Editora Cultura Cristã.
[8]   EVANS, M. ]. In: Novo Dicionário de Teologia Bíblica. São Paulo: Editora Vida, 2009.

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